Capa / Notícias / 30 de março: em marcha pela autodeterminação dos povos

30 de março: em marcha pela autodeterminação dos povos

LogotipoEm 30 de março de 1976, o exército israelense atacou as e os manifestantes no meio de uma greve organizada por palestinos, diante de mais um avanço dos assentamentos ilegais israelenses em território palestino. Israel matou seis pessoas, feriu centenas. Desde então, 30 de março é o Dia da Terra Palestina – o dia em que os palestinos celebram a longa luta pela sua terra, em resistência à ocupação israelense. E é o dia que escolhemos, no calendário da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, para mostrar a nossa solidariedade e dar visibilidade às lutas das mulheres nos seus territórios pelo direito à autodeterminação. Hoje, as mulheres da Marcha, em dezenas de países, vão demonstrar sua solidariedade e apoio a esta luta, travada por mulheres de muitos povos.

Aqui publicamos dois textos escritos por membros do nosso Comitê Internacional. Ruba Odeh nos escreve diretamente da Palestina ocupada. E Vania Martins, de Portugal, envia-nos uma reflexão sobre o direito à autodeterminação.

Marchamos em solidariedade internacionalista com as mulheres que resistem à segregação, ao cerco, à militarização, à vigilância e à perseguição política. Resistimos aos embargos e sanções imperialistas e marchamos pelo direito dos povos de terem voz própria e decidirem o seu futuro em paz e democracia.

Ramallah-protest-against-Deal-of-Century-1-1024x768

A Palestina, sob cerco e quarentena, está em luta!

30 de março é o Dia da Terra Palestina e a data que fixamos no calendário da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres para dar visibilidade à luta dos povos pelo seu direito à autodeterminação. Este dia vem à luz dos desafios que a humanidade enfrenta face à pandemia do coronavírus, em que as políticas coloniais e os regimes neoliberais começam a entrar em colapso devido às suas brutais políticas socioeconômicas. Esta crise revela a fragilidade dos sistemas de saúde e a falta de proteção social à luz da militarização do mundo e da generalização do sistema de consumo centrado nos interesses das corporações transnacionais e dos Estados imperialistas.

Neste dia, a Palestina se encontra em estado de quarentena obrigatória. A ocupação sionista ainda controla e fecha a Faixa de Gaza, que enfrenta a possibilidade de uma pandemia quase sem recursos, o que agrava a crise.

O Dia da Terra Palestina chega, este ano, depois de a administração dos Estados Unidos anunciar seu plano conjunto com a ocupação, o chamado Deal of the Century [Acordo do Século]. Este acordo confirma a negação dos direitos nacionais do povo palestino e trabalha para roubar e anexar grandes partes das terras da Cisjordânia, especialmente o Vale do Jordão. As colônias legislam no terreno e procuram anexá-las ao poder ocupante, o que significa um maior isolamento do povo palestino. Há claras políticas de limpeza étnica em Jerusalém e a prevenção de qualquer atividade palestina, dentro de um plano claro e declarado ao judaizar Jerusalém e negar sua identidade palestina.

É claro que a ocupação sionista procurará explorar a preocupação mundial em enfrentar a epidemia para roubar mais a terra Palestina e enfraquecer a sociedade Palestina.

A solidariedade com a Palestina no Dia da Terra deve focar em alguns lemas:

– Solidariedade com o povo palestino defendendo suas terras.
– Todos os assentamentos israelenses são ilegais.
– Levantem o cerco na Faixa de Gaza.
– O povo palestino tem direito à soberania sobre as suas terras.
– Liberdade e segurança dos prisioneiros palestinos nas prisões de ocupação.
– Fortalecimento do movimento de boicote a empresas e a Israel, como Estado ocupante que mantém o apartheid.

Estamos certamente cientes das condições em que as mulheres de todo o mundo vivem durante esta pandemia. As atividades de solidariedade devem acontecer de uma forma que garanta a segurança para todos nós.

Ruba Odeh, Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres


A autodeterminação é um direito coletivo e solidário

No dia 30 de Março marcamos o dia da Terra Palestina, um acontecimento histórico que teve lugar em 1976, quando os palestinos resistiram como um coletivo à ocupação sionista, para recuperar a sua terra e o direito à autodeterminação.

O direito à autodeterminação é considerado um direito humano fundamental e é amplamente reconhecido como o direito dos povos a determinar os vários elementos da sua governança; no entanto, esta perspectiva dos direitos humanos tem permitido uma visão estreita da autodeterminação como uma liberdade civil e é profundamente baseada na conquista da autonomia e soberania de Estado. Precisamos ir além desta narrativa, que está profundamente ligada à etnicidade e à soberania histórica e só permitirá reproduzir estruturas patriarcais e relações de poder, bem como uma representação política limitada e o acesso a recursos. Em vez disso, precisamos nos concentrar nos direitos das comunidades.

A autodeterminação precisa ser redefinida como um direito coletivo e solidário, que inclui o direito de ter voz política e de influenciar os processos econômicos e sociais sob os quais um grupo coletivo vive. É um direito que pertence a todos os povos, e não apenas aos Estados-nação. Esse direito só pode ser alcançado considerando a situação das mulheres e sua condição social, política e econômica e abordando os tipos de violência de múltiplas camadas que as mulheres muitas vezes experimentam quando lutam pela autodeterminação.

Nós, mulheres da Marcha Mundial, denunciamos a relação entre a luta pela autodeterminação e a violência imposta a mulheres e comunidades por um modelo neoliberal militarizado. A mobilização dos militares para reforçar a soberania dos Estados e a integridade territorial nas suas diversas formas – seja um ambiente de “paz armada” na Catalunha ou de limpeza étnica nos territórios curdos – criminaliza o direito de resistência e continua a utilizar os corpos das mulheres para reafirmar o seu poder. Também cria tipos específicos de violência contra as mulheres, como a imposição de fronteiras que separam comunidades; deslocamentos territoriais forçados; violência espiritual e/ou religiosa, como a imposição de religiões dominantes ou a destruição de lugares considerados sagrados e a apropriação de terras que populações originais consideram sagradas; além de, em muitos casos, pontos de verificação para restringir a liberdade de movimento.

Juntamente com estas violações dos direitos humanos e a limpeza étnica, este modelo racista e imperialista também toma e destrói a terra dos povos e os impede de acessar seus recursos. Em muitos casos, os militares e os governos estão a serviço das transnacionais com interesses econômicos nessas terras, beneficiando-se de um sistema capitalista patriarcal onde as mulheres são sempre alvo.

Na Palestina, o brutal apartheid colonial de Israel, ajudado pelas políticas imperialistas dos Estados Unidos da América, continua a mobilizar o exército contra o povo palestino enquanto impõe um bloqueio à faixa de Gaza, criando uma crise humanitária sem precedentes, agravada pelas atuais crises pandêmicas mundiais. Também continua sua campanha contra o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), classificando-o como anti-semitismo, e o assédio, vigilância e perseguição de seus ativistas.

No Saara Ocidental, o criminoso reino neoliberal de Marrocos expande a exploração dos recursos saarauís num negócio vergonhoso com a União Europeia, facilitado pela antiga potência colonial do Estado espanhol, enquanto o povo saarauí é obrigado a viver sob ocupação violenta ou a fugir para os campos de refugiados no deserto da Argélia.

No Curdistão, o regime turco expansionista prossegue o seu projeto de limpeza étnica e de apropriação de terras, ajudado pela perseguição política do povo curdo no Iraque e no Irã e agravado pela guerra civil síria; enquanto o Ocidente continua a classificar o povo curdo como terrorista e a permitir a sua contínua perseguição e vigilância.

Na Papua Ocidental, o Estado indonésio continua a sua política de empobrecimento forçado das comunidades, explorando os seus recursos e impondo políticas racistas para promover a marginalização dos povos indígenas, ao mesmo tempo que incentiva a migração dos indonésios para a Papua Ocidental, criando conflitos e competição pela terra.

No Estado colonial espanhol, o País Basco, a Catalunha e a Galícia são constantemente impedidos pelo governo de decidir pacífica e democraticamente sobre o seu futuro, e tanto o exército como as forças policiais têm sido utilizados contra os civis e para a vigilância da população.

Também denunciamos os instrumentos neoliberais, imperialistas e capitalistas como bloqueios e sanções utilizadas contra a soberania dos povos e seu direito de construir seus próprios processos políticos, como na Venezuela, Cuba, Mali, Iêmen, Líbia ou Irã, onde esses instrumentos empobrecem a população e colocam em perigo a sobrevivência das sociedades, particularmente com a atual crise sanitária e social criada pela Covid-19.

Exigimos o fim das sanções, bloqueios e ocupações e pedimos a mobilização contra este modelo capitalista, imperialista e racista neoliberal e a solidariedade para os povos que resistem em todo o mundo, lutando contra a opressão e pela liberdade.

Resistimos para viver, marchamos para transformar!
Seguimos em marcha até que todas sejamos livres!

Vânia Martins, Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres

Sobre comunicadoras