Nós, da Marcha Mundial das Mulheres, em conjunto com os demais movimentos de mulheres do campo e da cidade estamos em marcha pelo fim da violência contra as mulheres e por outro sistema político. Este é o tema da 4ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres na Paraíba e Pernambuco, resultado da realidade histórica destes territórios marcados pela concentração de renda e de terras, pela política coronelista, pela desigualdade social e pelo elevado índice de crimes lgbtfóbicos, extermínio da juventude negra e feminicídios. A realidade da vida das mulheres se apresenta ainda mais grave, pois está construída com base em uma cultura patriarcal, que se expressa no ambiente público e privado, caracterizando o fenômeno social da violência doméstica e de gênero contra as mulheres.
A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento de cunho anti-patriarcal, anti-sistêmico, anti-racista e anti-lesbofóbico que constrói a auto-organização das mulheres em âmbito internacional, a partir de ações coordenadas local e mundialmente. Neste ano de 2015, as ações que começaram no dia 08 de março (Dia Internacional de Luta das Mulheres) e vão até 17 de outubro (Dia Internacional pela erradicação da Pobreza), serão descentralizadas em todo o país, e ocorrerão em torno da palavra de ordem “Seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres!”.
Neste dia 20 de julho, damos continuidade às ações ocorridas em outros estados: em abril, as mulheres de Tocantins, marcharam com o tema “Auto-organização feminista em defesa dos territórios e contra o agronegócio”, enquanto as mulheres no norte de Minas Gerais se mobilizaram “Em defesa da água, contra a mineração”. No início de julho, as nossas companheiras de São Paulo e Paraná se reuniram “Por autonomia econômica e contra a mercantilização da natureza”. Seguimos em marcha por sabermos que a força da nossa auto-organização é que nos leva à conquista dos nossos direitos e ao enfrentamento diário sobre a violência que insiste em invadir os nossos corpos e territórios. Após a nossa ação, nos juntaremos às mulheres do Rio de Janeiro “Em luta pela desmilitarização de nossas vidas”. Em agosto, as Margaridas em Marcha sairão de todas as regiões do Brasil para ocupar as ruas de Brasília, reivindicando “Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade.” Em setembro, estaremos em marcha “Contra a violência do agronegócio” e neste mesmo mês nos mobilizaremos “Em luta pela legalização do aborto”. Encerraremos a nossa 4ª Ação Internacional na caravana que inicia no Ceará e culmina no Rio Grande do Norte, apontando as “Nossas resistências e alternativas feministas”.
O objetivo desta Ação é dar visibilidade às formas de auto-organização das mulheres e a construção das possibilidades de luta em torno dos territórios que são os nossos corpos e os espaços onde vivemos, trabalhamos, produzimos e construímos nossa história como alternativas de resistência ao sistema capitalista e patriarcal em que vivemos.
A violência contra as mulheres se manifesta de diversas maneiras nos espaços público e privado. Primeiro, no corpo das mulheres que continuam a sofrer violência de seus companheiros aos serem entendidas como propriedade masculina, numa verdadeira concretização da cultura machista. As mulheres sofrem violência ao ocuparem trabalhos subvalorizados e sentirem em seus corpos a precarização do trabalho. As mulheres sofrem violência ao perderem seus territórios e possibilidade de trabalho e vida digna para o agronegócio latifundiário. A violência contra as mulheres é reproduzida pelo Estado e por seu sistema político, diante da insuficiência da rede de enfrentamento da violência contra as mulheres, da falta de proporcionalidade de representação feminina nos poderes Legislativo e Judiciário e pela impunidade dos crimes de violência contra as mulheres. Assim, enfrentar a violência é confrontar o sistema político vigente.
Com grande pesar, recentemente acompanhamos a repercussão na mídia nacional a respeito do contexto de violência contra as mulheres nessa região. Em junho deste ano, duas mulheres e um bebê de nove meses foram sequestradas em João Pessoa/PB. Em seguida, foram levadas para o município de Goiana/PE – divisa entre os estados da Paraíba e Pernambuco – onde sofreram estupro, espancamento, atropelamento, culminando no assassinato de uma delas. Este acontecimento cruel demonstra a condição real de risco à vida das mulheres nesta região. Os estados da Paraíba e Pernambuco se posicionam entre os dez primeiros lugares no ranking nacional de feminicídios.
No ano de 2015, a região Nordeste foi palco de outros crimes bárbaros contra a vida e dignidade das mulheres. Em maio, no município de Castelo, interior do estado do Piauí, quatro adolescentes foram vítimas de estupro coletivo e arremessadas de uma altura de dez metros. Em 15 de julho, cinco mulheres foram executadas em Itajá, interior do Rio Grande do Norte.
Este contexto impulsiona a auto-organização das mulheres no campo e na cidade, com o objetivo de denunciar o silêncio que envolve e naturaliza a violência, bem como nos fortalecer para a resistência e o enfrentamento. Direcionamos diversas reivindicações aos Poderes Públicos em busca de garantir nossos direitos, a começar pelo mais básico deles: queremos permanecer vivas! Sim, pois diante do fortalecimento da cultura racista, classista e patriarcal, o fato de nos mantermos vivas consiste em uma tarefa árdua de resistência. Sentimos na pele que ao entrelaçarmos as mãos com outras companheiras, nos fortalecemos e enfrentamos à ofensiva que recai primeiramente sobre os nossos corpos.
A crise política e econômica que atravessamos tem incidido de forma contundente na condição de vida da classe trabalhadora e com grande impacto no cotidiano das mulheres trabalhadoras. O último período na América Latina e no Brasil tem revelado uma conjuntura política de grave ameaça aos direitos sociais, a intensificação da exploração e precarização da força de trabalho; aumento da criminalização das mulheres frente aos direitos sexuais e reprodutivos; crescimento das forças conservadoras que cada vez mais vem ocupando o poder legislativo; a aprovação de leis com caráter militarista e autoritário, de forma a desconsiderar o poder popular como representação primeira do Estado Democrático de Direito; a fragilização dos organismos de políticas publicas para as mulheres; a criminalização dos movimentos sociais; o extermínio da juventude negra, entre outras violações.
O avanço das forças conservadoras tem demonstrado que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cumprem a função de conservar a ordem classista-racista e patriarcal. Por isso, compreendemos que apenas a reivindicação junto a esses órgãos, no que se refere aos nossos direitos à terra, a uma vida sem violência e a políticas públicas que reparem a desigualdade historicamente vivenciada por nós mulheres, não é suficiente para a garantia da nossa autonomia enquanto sujeitos políticos.
Este mesmo Estado não soluciona de forma adequada os conflitos sociais, as desapropriações dos latifúndios e tais demandas estão sendo concentradas no Poder Judiciário. O processo de judicialização da questão agrária tem afetado intensamente as mulheres e as crianças Sem-Terra que constituem a parte mais vulnerabilizada pela injustiça social e fundiária. As mesmas mulheres trabalhadoras Sem-Terra acampadas há mais de dez anos embaixo da lona preta têm seu direito constitucional de trabalho negado, e não veem concretizadas conquistas jurídicas como a determinação legal de que as terras improdutivas devem ser vistoriadas e destinadas para fins de Reforma Agrária entre outras negações de direitos fundamentais à vida digna. O poder Judiciário tem demonstrado que se encontra ao lado dos ricos e do agronegócio, tardando na desapropriação das terras improdutivas para assentar as famílias Sem Terra. Reafirmamos a necessidade de agirmos com rebeldia, para que seja concretizada a Reforma Agrária no Brasil.
Marchamos junto ao Coletivo de Mulheres do Campo e da Cidade, auto-organizado no Estado da Paraíba desde o ano de 2009, o qual tem se mostrado uma alternativa de enfrentamento ao cenário local de opressão contra as mulheres. Estamos em marcha por entendermos que só é possível um mundo sem violência, se nós mulheres tivermos acesso à terra, à produção agroecológica e à sustentabilidade; pudermos plantar e planejar sobre o nosso território; com direito ao trabalho e garantias trabalhistas; se nós tivermos acesso a política integral de enfrentamento a violência; se pudermos viver uma vida livre de violência contra as mulheres e se tivermos a certeza de que os assassinatos contras as mulheres do campo e da cidade não permanecerão impunes.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
João Pessoa, 20 de julho de 2015.