Nesta segunda-feira, 11 de novembro, foi inaugurada a Casa da Mulher Brasileira em São Paulo. A Casa vem sendo gestada há anos, em um projeto que se iniciou em 2013, a nível nacional. Em São Paulo, a construção começou em 2015, passou por três gestões municipais, foi abandonada pelo então prefeito João Dória, passou em 2017 por uma ocupação das mulheres do movimento feminista e de moradia que exigiam seu funcionamento. Dois anos depois, estes mesmos movimentos foram barrados na inauguração oficial, que teve a presença de João Dória, da Ministra da Família Damares Alves e de secretários e deputados.
A maioria dos convidados eram homens brancos de terno, enquanto, do lado de fora, na rua, ficaram as mulheres do movimento, barradas pela polícia. “É um absurdo que uma Casa da Mulher Brasileira impeça mulheres do movimento popular e feminista de entrar”, disse Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres. Mesmo impedidas de participar, as mulheres resistiram e se manifestaram, com bandeiras, faixas reivindicando participação popular no conselho gestor da Casa. Vaiaram Damares Alves por sua política conservadora, que ataca o feminismo, o estado laico e a democracia, e propõe grandes retrocessos nos direitos das mulheres. “Vaia merecida”, disse Sonia.
Segundo Nani Cruz, da Central de Movimentos Populares (CMP), “essa casa estava fechada, sendo deteriorada, os ratos comendo tudo. Fizemos uma ocupação em 2017, pressionando o governo, e hoje estamos sendo proibidas de entrar. O que a gente não sabia é que tinha que usar uma senha. Basta ser convidado da Igreja Renascer ou estar de camiseta amarela, representando o fascismo. Como não estamos, somos bloqueadas de entrar, logo nós que lutamos tanto para essa casa ser inaugurada”.
A Casa foi uma conquista dos movimentos, afirmaram as participantes. Porque, se não fosse a ocupação da Casa em 2017, hoje não haveria inauguração oficial nenhuma. “A Casa estava abandonada. Os movimentos feministas e de moradia ocuparam e exigiram que fosse retomada e inaugurada. A Marcha Mundial das Mulheres foi parte do comitê de implementação da Casa durante todo o período, discutindo, negociando, propondo. Em todos os estados, a inauguração foi junto com todos os movimentos. Mas São Paulo inaugurou sem a participação dos movimentos que mais se dedicaram para que essa Casa existisse”, relatou Sonia.
Em outubro de 2017, mulheres da MMM, CMP, UMM, MAB, UNAS, MST, entre outros, ocuparam a Casa da Mulher Brasileira para exigir do poder publico a abertura imediata deste equipamento, dando prosseguimento ao Programa Mulher Viver sem Violência. “Foram investidos mais de 13 milhões de reais na Casa da Mulher Brasileira. Ela está praticamente pronta e deve servir para atender as mulheres. No entanto, estava às moscas, abandonada pelos governos federal, estadual e municipal”, afirmava a MMM na época, em notícia.
Durante a ocupação, as mulheres plantaram árvores, fizeram debates sobre as causas da violência, os problemas da falta de prevenção, o desmonte das políticas em São Paulo e no Brasil, e dialogaram muito com as mulheres da vizinhança, que se solidarizaram e até participaram de atividades. A ocupação pressionou o poder público a se reunir com o movimento e dar continuidade à construção.
A abertura da Casa foi, portanto, uma vitória da luta das mulheres. Mas a inauguração fechada para os movimentos deu uma má impressão: a de que a construção cotidiana da Casa também não será aberta. Por isso, os movimentos reivindicam um conselho gestor da Casa, com participação do movimento popular e feminista, para garantir que a Casa siga corretamente os protocolos e objetivos pelos quais ela foi construída.
“Essa é uma conquista do movimento feminista, que vem ao longo dos anos batalhando para ter um equipamento multidisciplinar, que garanta que a mulher vitima de violência seja atendida sem a peregrinação pelos diversos órgãos”, diz Fátima Sandalhel, da MMM. “Hoje deveria ser um dia de festa. Mas o movimento de mulheres está na porta, outra parte do movimento está nas ruas ao redor e não pode chegar até aqui. Estamos denunciando esse absurdo do governo Dória e de sua polícia antidemocrática”, completa. “É muito preocupante”, afirma Maria de Fátima dos Santos, da União dos Movimentos de Moradia, “não poder participar, como entidade, da inauguração e nem chegar próxima à Casa. Eles não têm o mínimo de respeito pelas mulheres de São Paulo”.
Leia abaixo a Carta Aberta sobre a Casa da Mulher Brasileira, assinada pela Marcha Mundial das Mulheres, Central de Movimentos Populares e União dos Movimentos de Moradia:
Dois anos depois do movimento popular e do movimento mulheres ter ocupado a Casa da Mulher Brasileira como forma de exigir a retomada e a viabilização deste importante equipamento destinado ao atendimento multidisciplinar para dar eficácia e efetividade ao atendimento às mulheres que sofrem violência acompanhamos sua inauguração.
Essa inauguração se dá num cenário cada vez mais grave de violência contra mulheres na cidade e no país. Dados da Rede Nossa São Paulo de 2019 mostram que o crescimento do feminicídio na cidade cresceu 167% e a violência contra a mulher, 51%. Sendo que ambos os indicadores tem maior índice nos distritos da Sé e Barra Funda.
Por isso é crucial que a Casa da Mulher Brasileira cumpra cabalmente com os objetivos para os quais foi criada com um atendimento conforme os protocolos já existentes e a Lei Maria da Penha e de acordo com o conhecimento acumulado em inúmeras pesquisas.
A entidade terceirizada que vai gerir o equipamento recebeu uma formação rápida que é insuficiente para dar conta da complexidade do problema. Portanto, a formação com perspectiva de gênero e raça deve ser realizada de forma continuada.
Por isso, nós reivindicamos a formação de um Conselho Gestor com participação do movimento de mulheres, do movimento popular, especialistas e mulheres da comunidade local para monitorar e participar das decisões relativas ao cotidiano do atendimento da Casa da Mulher Brasileira.
Só desse modo poderemos garantir que o desvirtuamento dos objetivos da Casa não ocorra e que possamos contribuir para que as mulheres que sofrem violência tenham de fato o acompanhamento e apoio para romper com a violência e que os responsáveis sejam de fato coibidos.
Pela Criação Imediata do Conselho Gestor da Casa da Mulher Brasileira com participação popular!
Marcha Mundial das Mulheres
Central de Movimentos Populares
União dos Movimentos de Moradia