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A guerra não tem rosto de mulher indígena

A Marcha Mundial das Mulheres de Mato Grosso do Sul vem a público repudiar as violências sofridas pelo povo Kaiowá e Guarani. Recentemente foi divulgado em nível nacional e internacional as violências sofridas pelo povo indígena das áreas retomadas Yvyajere, Pikyxyn e Kurupa Yty, localizada na terra indígena Panambi – Lagoa Rica, em Douradina, MS. Vale ressaltar que essas retomadas compõem essa TI (Terra Indígena), que já foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e não foi concluída, por conta do processo de judicialização. Essa ação, perpetrada por fazendeiros da região, impede o prosseguimento desse processo, há mais de uma década.

Desde meados de junho de 2023, as lutas do povo Guarani e Kaiowá, tem se intensificado em inúmeras áreas, em Tekoha já identificado, especialmente no sul do estado. Os Tekoha são territórios sagrados nos quais, as rezadoras, nhandesy (anciãs de saberes tradicionais), cultivam seu saber ancestral, ligado às plantas medicinais, aos cuidados com o corpo-território, com as gerações por vir e pela reprodução da boa vida social da parentela ampliada.

Entendemos que as mulheres indígenas, em áreas de retomada, vivenciam violências de um campo de batalha, de guerra, de genocídio orquestrado pelos ruralistas. Essas violências acontecem repetidamente, com assassinatos de lideranças, torturas e despejos. Violência contra as mulheres, principalmente contra as Ñandesy, pelo que elas representam na comunidade indígena, com sua fé, seu mbaracá, suas rezas, seu canto e sua dança. Perseguidas, acuadas, queimadas pela intolerância religiosa, o preconceito e a xenofobia contra essas guerreiras Ñandesy. Na obra, “A Guerra não tem rosto de mulher”, Svetlana Aleksiévitch, retrata a atuação de mulheres soviéticas durante a Segunda Guerra Mundial. Ali, a autora relata como essa história é acobertada, mas existe: mulheres lutaram bravamente contra o fascismo.

Crédito: Fernanda Sabô

Essa luta está sendo travada em territórios ancestrais, e o Estado Brasileiro é o grande responsável por todo este conflito no MS. Foi ele quem expulsou os indígenas dos seus territórios no século passado e desde então segue na inércia. A União, se omite na regularização fundiária de territórios considerados sagrados pelos Guarani e Kaiowá. Esses povos, aguardam o processo de regularização desde a Constituição Federal (CEF/88). O descumprimento da CF, dá margem para o avanço dessas violências que colocam em risco a vida das pessoas: de homens, mulheres e crianças. Nesse contexto, mulheres e crianças indígenas são expostas de maneira cruel à barbárie do agro.

É necessário viver, é necessário reproduzir vida no lugar de esperar a burocracia estatal dos territórios. Perante a inércia e omissão estatal, as Ñandesy precisam criar pulsão de vida: contribuem na saúde física e espiritual de seu povo em processo de autodemarcação.

As retomadas são ferramentas de luta indígena, fundamental para a existência de um mundo mais justo, igual, fraterno. As mulheres Kaiowá e Guarani são fundamentais nesse processo de recuperação de terras. Um movimento absolutamente legítimo. Reconhecemos o histórico de expulsões e reservamento, que fez com que fossem ceifadas as vidas de indígenas, mulheres indígenas, das crianças, com crimes de ódio, tirando-lhes o direito ao seu cotidiano coletivo nas suas comunidades.

A violência de fazendeiros é a um só tempo machista, patrimonialista, física e psicológica. Os vídeos de guerreiros com tiros na cabeça, em sangue corrente, cortados demonstram as vias de fato que os fazendeiros estão dispostos a executar. O MS segue o padrão nacional de concentração fundiária nas mãos de poucas famílias e o histórico de espoliação de terras indígenas remonta à Cia. Matte Laranjeira, em fins do século 19, mas “os donos das terras” não se conformam que ali é uma terra indígena, uma terra de cuidado, uma relação de simbiose entre o corpo das mulheres e a saúde do território.

Como solução, o estado brasileiro está apresentando um marco temporal, uma ação irresponsável que vai continuar permitindo a guerra e a ofensiva contra a vida dos povos indígenas. Os juízes que assinam reintegrações de posse, os ministros do STF que relativizam a inconstitucionalidade do Marco Temporal, os políticos que assinam as novas leis que trazem insegurança jurídica aos povos originários deste país são em esmagadora maioria homens e brancos.

Contra o poder da canetada, da sentença e do novo decreto-lei: a Ñandesy com seu mbaraca, com o cuidado coletivo, para a sobrevivência de si, do coletivo e da terra!

Seguiremos em marcha, até que todas sejamos Livres!

Agosto, 2024

Marcha Mundial das Mulheres – MS

Marcha Mundial das Mulheres

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