Apresentamos, aqui, a história da Marcha Mundial das Mulheres a partir dos processos que marcaram sua construção, especialmente no Brasil, em diálogo com o acúmulos de análises e ações das mulheres em movimento. Esse texto tem como referência as ações internacionais realizadas a cada 5 anos, que marcam os processos de síntese política da plataforma da Marcha em todo o mundo.
Mulheres em marcha
A inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) partiu de uma manifestação realizada em 1995, em Quebec, no Canadá, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. No final desta ação, diversas conquistas foram alcançadas, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária.
As mulheres do Quebec buscaram contatos com organizações em vários países, para compartilhar essa experiência e apresentar a proposta de criar uma campanha global de mulheres. O primeiro contato no Brasil foi com as mulheres da Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores (CUT). Foram elas que marcaram as reuniões para discutir a proposta e definir as representantes brasileiras para o primeiro encontro internacional da MMM, que aconteceu em 1998, em Quebec, e teve a participação de 145 mulheres de 65 países e territórios. Nesse encontro foi elaborada uma plataforma com 17 reivindicações para a eliminação da pobreza e da violência contra as mulheres. E ali foi convocada a Marcha Mundial das Mulheres como uma grande campanha a ser desenvolvida ao longo do ano 2000.
1a ação internacional
2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista
A convocatória para a campanha realizada no ano 2000 teve um largo alcance e deu origem à construção da MMM como um movimento internacional. A ação mobilizou milhares de grupos de mulheres em mais de 150 países e territórios, em atividades de educação popular e manifestações públicas de apoio às 17 reivindicações mundiais.
No Brasil, entre 8 de março e 17 de outubro, foram realizadas atividades em todos os estados. O grande momento nacional desta ação foi a realização da Marcha das Margaridas, proposta pelas mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). O nome desta Marcha, uma referência a Margarida Alves, tornou visível a trajetória de lutas das mulheres rurais que, desde os anos 1980, atuam de forma organizada no Brasil.
As mobilizações culminaram em 17 de outubro, dia de luta pela erradicação da pobreza, com marchas simultâneas em 40 países, e atos em frente à sede do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, em Washington, nos Estados Unidos. As mulheres denunciaram os efeitos devastadores do neoliberalismo em seus países e em suas vidas. Em um ato simbólico em frente à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, foram apresentadas mais de 5 milhões de assinaturas recolhidas em apoio às demandas da Marcha. Logo após esse ato público, as delegadas de diferentes países se reuniram no 2º Encontro Internacional da MMM e ali decidiram que era necessário continuar o movimento.
“Com essa marcha muita coisa vai mudar”: um movimento permanente
Aqueles eram tempos de pensamento único, o neoliberalismo era fortemente hegemônico e parecia não haver alternativa. As mulheres propuseram ir além do possível e ousaram seguir atuando juntas para construir a MMM como um movimento permanente, uma consequência das novas forças e sinergias mobilizadas em cada local.
Desde então, a MMM desenvolveu um método para a definição de consensos e uma forma de atuação que implica a construção permanente da relação entre o local, o nacional e o internacional. A preparação das ações internacionais, a cada cinco anos, marca processos de sínteses políticas da plataforma da MMM.
Em aliança para mudar o mundo
A construção de alianças com outros movimentos sociais é um princípio que caminha junto com nossa auto-organização em um movimento autônomo de mulheres.
O Fórum Social Mundial foi um processo central nessa construção. Desde sua primeira edição, em 2001, já afirmávamos que “O outro mundo possível” que queremos construir também precisa ser feminista para que homens e mulheres sejam livres e iguais. A MMM passou a se articular de forma crescente e convergente com outras organizações e movimentos sociais. Entre estes, estão a Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE), a Via Campesina e Amigos da Terra Internacional. Essas articulações se ampliaram na Assembléia dos Movimentos Sociais, que impulsionou lutas e campanhas comuns, como na luta contra a guerra e o livre comércio. Nossas agendas vão se “contaminando” umas com as outras e, nessa mescla, as organizações se fortalecem e contribuem com as elaborações umas das outras.
Construímos alianças feministas em nossa luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), o que nos permitiu consolidar uma visão crítica sobre como o trabalho das mulheres é explorado todo o tempo pelo sistema, que é patriarcal e capitalista.
Fora já! Fora já daqui: a ALCA, o machismo e o FMI!
A Campanha Continental contra a ALCA
A Campanha contra a ALCA foi um processo de grande mobilização popular que conseguiu derrotar a proposta imperialista dos Estados Unidos para as Américas. A ALCA era um tratado de livre comércio que, na prática, fortalecia os Estados Unidos e suas empresas em toda a região.
A campanha se organizou em todo o continente. A unidade em torno do “não à ALCA” representou a radicalização da luta contra o neoliberalismo e a recusa do livre mercado como paradigma para a América Latina.
As ações e análises feministas sobre o neoliberalismo nesta campanha colocou as mulheres como um sujeito político importante na disputa da agenda econômica, e foi fundamental para a recomposição de um campo feminista e anti-capitalista no movimento de mulheres.
No Brasil, a MMM convocou, no dia 12 de agosto de 2002, um dia de ação das mulheres contra a ALCA. Entre feiras de informação, apresentações de teatro, panfletagens, oficinas, pintura de painéis, mostra de plantas medicinais e produtos orgânicos, atos públicos e caminhadas, divulgação em rádios, shows e tribunais populares, as ações das mulheres contra a ALCA foram marcadas por criatividade e muita informação, e pela presença feminista nas ruas de 14 estados, denunciando as consequências da ALCA para a vida das mulheres.
Em setembro de 2002, 10.149.542 pessoas participaram do Plebiscito sobre a ALCA, sendo que mais de 95% votou contra a assinatura do acordo.
A nossa luta é todo dia! Somos mulheres e não mercadoria!
Foi nesse processo que, em 2002, a MMM elaborou a consigna “O mundo não é uma mercadoria! As mulheres também não!”. Depois, veio o grito da batucada feminista: “A nossa luta é todo dia: somos mulheres e não mercadoria!”
Essa posição política tem como ferramentas de luta a mobilização, a ocupação dos espaços públicos, os processos organizativos e enraizamento em nível local. Como parte da recuperação da radicalidade e da rebeldia feminista, a MMM desenvolveu várias formas de intervenção e comunicação. Ocupar as ruas é uma das características do feminismo da MMM. O sentido político desta ocupação envolve não apenas a visibilidade do nosso movimento, mas também a nossa própria organização e reconhecimento como coletivo.
No batuque do tambor!
A Batucada Feminista é um instrumento político de luta que expressa nossa ação feminista. Na MMM, a batucada começou no FSM em 2003, a partir da experiência das mulheres do Rio Grande do Norte. No 8 de março do mesmo ano, a batucada já apareceu em alguns estados. Desde então, somou e inovou uma linguagem própria da MMM.
Com a batucada, buscamos democratizar a fala nas ruas. O ritmo ajuda a gerar concentração, unidade e força nos momentos de ação coletiva. Tocar é uma forma direta de ação política, de levar o feminismo para os olhares e ouvidos da rua, expressando nossas lutas e ocupando plenamente o espaço público.
Latas, mulheres, tambores e baquetas em ritmo contra o machismo. Os instrumentos da batucada são feitos prioritariamente de materiais reciclados ou que fazem parte do nosso cotidiano. Quando tocamos na batucada estamos dizendo que queremos outras práticas e que não aceitamos a cultura musical machista e preconceituosa que ouvimos todos os dias. Estamos denunciando o machismo e afirmando nossas alternativas coletivas.
João, João, cozinhe o seu feijão!
Na sociedade capitalista e patriarcal, a divisão sexual do trabalho separa o trabalho dos homens e o das mulheres, e define que um trabalho vale mais do que o outro. O trabalho dos homens é associado ao produtivo (o que se vende no mercado) e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produção dos seres humanos e suas relações). As representações do que é masculino e feminino são duais e hierárquicas, assim como a associação entre homens e cultura, e mulheres e natureza. Na Marcha Mundial das Mulheres lutamos para superar a divisão sexual do trabalho e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento de que o trabalho reprodutivo, doméstico e de cuidados está na base da produção do viver.
A economia na agenda feminista
A Marcha avançou em análises e propostas tendo como referência a economia feminista. A economia não é apenas um conjunto de fórmulas e números, mas é integrada por todas as atividades que garantem a produção do viver. A economia vai além daquilo que pode ser medido por valores do mercado, da mesma forma que o trabalho vai além do emprego.
Ao questionar a divisão sexual do trabalho queremos reconhecer e valorizar o trabalho realizado pelas mulheres. O atual modelo econômico reconhece apenas o trabalho realizado na esfera do mercado. E, no mercado, nossa força de trabalho é explorada com menores salários e condições precárias.
Lutamos pelo compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados com os homens e o Estado, e por mudanças na organização do mercado de trabalho, com a redução da jornada e a garantia de todos os direitos trabalhistas. Propomos uma economia centrada no bem estar de todas e todos, que valorize e reorganize a reprodução, o trabalho doméstico e de cuidados -, construindo um novo paradigma de sustentabilidade da vida humana.
A campanha pela valorização do salário mínimo
A autonomia econômica das mulheres é uma condição para transformar a vida das mulheres. Mas a autonomia não é apenas uma conquista individual e passa por mudanças na economia como um todo.
Por isso, em 2003, a Marcha do Brasil iniciou uma Campanha pela Valorização do Salário Mínimo, como uma estratégia para distribuir a renda, combater a pobreza, diminuir as desigualdades salariais entre homens e mulheres, brancos e negros.
A campanha propunha dobrar o valor do mínimo em quatro anos, promovendo a cada ano um reajuste integral da inflação mais um aumento de 19% em seu valor. Depois, numa segunda etapa, elevar o salário para R$ 730,00 (em 2006). O cálculo para chegar a esse valor foi a divisão de 60% do PIB (Produto Interno Bruto) pelo número dos e das que trabalham com remuneração – descontando do total as crianças de 10 a 14 anos. Essa porcentagem é equivalente à dos países onde há uma distribuição de renda mais justa. Ou seja, em nações com uma concentração de renda menor que a nossa, o valor do salário mínimo corresponde à divisão de 60% do PIB desses países pelo total de trabalhadores.
Contra a pobreza e a opressão do capitalismo patriarcal: vamos provocar uma revolução mundial!
A luta para mudar o mundo e mudar a vida das mulheres se dá como parte de um só movimento. Não basta identificar que os impactos deste sistema são piores para as mulheres. Partimos de uma análise de que o capitalismo faz uso de estruturas patriarcais no seu processo de acumulação. Não buscamos apenas diminuir impactos negativos deste modelo na vida das mulheres, mas sim organizamos uma luta para transformar as estruturas que organizam todas as relações de desigualdade e poder.
Buscamos recolocar a luta anti-capitalista e anti-patriarcal no momento em que o movimento de mulheres estava sob a hegemonia da banalização do conceito de gênero, em meio a um processo de institucionalização e de perda de radicalidade.
A Marcha consolidou em sua estratégia um feminismo não institucionalizado e militante. Isso porque recusamos a organização a partir de agendas fragmentadas e articulamos todas as dimensões, de classe, gênero e raça, em uma luta anti-sistêmica. Explicitamos em nossas ações que, enquanto se reconheciam os direitos das mulheres nas declarações das conferências da ONU, o mercado reorganizava a vida das mulheres em nossos países, aprofundando a violência e a exploração do trabalho das mulheres.
Ofensiva contra a Mercantilização do Corpo e da Vida das Mulheres
As jovens da MMM se colocaram como objetivo articular e intensificar as ações que já eram realizadas nos estados. Sua estratégia inclui a reflexão e elaboração de ações feministas contra o machismo na sociedade de mercado e se materializa em colagem de cartazes, intervenção em cartazes publicitários, ações de rua com batucada, debates sobre letras de música, publicidade na TV, revistas e padrões de beleza.
A ofensiva, lançada em 2004 como uma ação permanente, organizou uma crítica ao controle do corpo e da sexualidade das mulheres pelo mercado, entendendo que este é também um dos pilares de sustentação do patriarcado. Questionamos a naturalização e idealização do “ser mulher”, que impõe um padrão de mulher que é branca, flexível, plastificada, feliz e mãe. Para alcançar este modelo, as farmácias vendem livremente medicamentos de laboratórios transnacionais que prometem alívio imediato e soluções milagrosas para adequar nossos corpos e comportamentos às exigências da sociedade machista em geral, e dos homens em particular.
A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer!
A violência contra a mulher é estruturante do patriarcado. A ideia geral sobre a violência contra as mulheres é que se trata de uma situação extrema ou localizada, envolvendo pessoas individualmente. Mas ela nos toca a todas, pois todas já tivemos medo, mudamos nosso comportamento, limitamos nossas opções pela ameaça da violência. Apesar de ser mais comum na esfera privada, como violência doméstica, a violência, a ameaça ou o medo da violência são utilizados para excluir as mulheres do espaço público.
As leis e medidas punitivas são necessárias, mas insuficientes para acabar com essa realidade. É necessário pautar de forma permanente o enfrentamento à violência a partir da auto-organização das mulheres, do compromisso político dos movimentos sociais e do Estado com a erradicação da violência sexista.
Mudar o mundo para mudar a vida das mulheres para mudar o mundo
O capitalismo incorporou a dominação patriarcal como estruturante de seu modelo econômico e de suas práticas, tendo como base a divisão sexual do trabalho, o controle sobre o corpo das mulheres, a imposição da família patriarcal e da heteronormatividade como modelos. O capitalismo também incorporou o racismo e o utiliza inclusive para organizar uma hierarquia e desigualdade entre as mulheres, mesmo no interior da classe trabalhadora.
A globalização criou uma dualidade entre as mulheres: pela primeira vez na história do capitalismo, algumas mulheres tiveram acesso ao capital por elas mesmas, e não em função de suas relações de parentesco e herança como filhas ou esposas. Há uma parte muito pequena das mulheres em profissões valorizadas como advogadas ou médicas, ao mesmo tempo em que, para a grande maioria, o trabalho remunerado é precário e sem direitos, e o trabalho não remunerado, doméstico e de cuidados, se intensificou com a diminuição dos direitos sociais no neoliberalismo.
A crítica à mercantilização nos possibilitou refletir sobre as conexões entre globalização, empresas transnacionais e o controle sobre o trabalho, os corpos e os territórios. Por exemplo, as mesmas transnacionais que atuam em tecnologias baseadas no controle do corpo e da reprodução também atuam na produção de sementes transgênicas. Exista, ainda, uma conexão entre o aumento da militarização e controle dos territórios com a violência contra as mulheres.
2a ação internacional
Mulheres em movimento mudam o mundo!
Para a ação de 2005, elaboramos a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade após um amplo debate e construção coletiva de uma posição comum entre mulheres, com diferentes experiências e culturas políticas. A Carta apresenta o mundo que queremos construir, baseado em cinco valores: liberdade, igualdade, solidariedade, justiça e paz.
No dia 8 de março de 2005, durante uma passeata com a participação de 30 mil mulheres de todo o Brasil em São Paulo, a Carta iniciou sua viagem ao redor do mundo. Até 17 de outubro, ela passou por 53 países e territórios. Nestes países, as Coordenações Nacionais da Marcha expressaram as suas lutas e propostas em um retalho de tecido. Estes retalhos foram sendo costurados em uma Colcha da Solidariedade, que foi concluída na última parada em Ouagadougou, Burkina Faso, um dos países mais pobres do mundo. Enquanto isso, ações foram realizadas em 17 de outubro, ao meio-dia, em cada meridiano, em uma vigília de 24 horas de Solidariedade Feminista. A “onda” começou nas ilhas do Pacífico (Nova Caledônia, Samoa e outras), foi para a Ásia, Oriente Médio, África e Europa simultaneamente, terminando nas Américas.
Encontro MMM Brasil
O I Encontro Nacional da MMM aconteceu entre 25 e 28 de agosto de 2006, em Belo Horizonte, reunindo 500 mulheres. Com uma programação que mesclou formação política, debates estratégicos e intercâmbios de práticas feministas, o Encontro teve o papel de fortalecer a auto-organização das militantes brasileiras e preparar para o desafio de assumir a tarefa de coordenar o Secretariado Internacional da Marcha. A transferência do Secretariado Internacional do Quebec para o Brasil havia sido definida um mês antes, no 6o Encontro Internacional da MMM, no Peru.
Essa hipocrisia gera hemorragia!
O aborto é um direito fundamental para as mulheres decidirem sobre suas vidas e garantir o livre exercício da sexualidade. Lutamos pela legalização do aborto, ou seja, para que a interrupção de uma gravidez indesejada não seja crime e que esse direito seja garantido pelo serviço público de saúde, gratuitamente.
Desde 2008, vivemos uma ofensiva de criminalização do aborto no Brasil, baseada numa visão misógina das mulheres como seres moralmente incapazes de tomar uma decisão consciente sobre um processo central em suas vidas. Em conjunto com vários coletivos e organizações, a Marcha no Brasil participou da criação da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, uma resposta organizada à ofensiva dos setores conservadores que se expressou no fechamento de clínicas clandestinas e na perseguição e condenação de mulheres que recorreram à prática do aborto.
Na luta pela autonomia e direito ao aborto, afirmamos que a maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres, e que nenhuma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto.
Mulheres livres, povos soberanos
A defesa da autonomia das mulheres e da soberania dos povos orienta a construção de alternativas ao modelo de produção, reprodução e consumo capazes de gerar igualdade.
Em luta por soberania alimentar
A Soberania Alimentar é o direito dos povos, países ou união de Estados de definir suas políticas agrícolas e alimentares e proteger sua produção e cultura alimentar. Esse conceito articula lutas pelo acesso à terra, água, sementes e condições de produção, usando práticas agroecológicas. Amplia-se no diálogo com os povos indígenas, que aportam a noção de território, e nos instiga a construir uma agenda em torno do tema da reprodução, concebida como um assunto de todos, não somente das mulheres. Cada vez mais se reconhece o trabalho e conhecimento das mulheres na produção de alimentos desde a agricultura até seu preparo e conservação em casa, em grupos comunitários e cantinas escolares.
Em conjunto com a Via Campesina, Amigos da Terra Internacional, entre outras organizações, foi organizado em 2007 o Fórum Nyéleni de Soberania Alimentar, em Selingué, no Mali. Foram realizadas oficinas preparatórias no Brasil e América Latina com mulheres camponesas, pescadoras e também urbanas para aprofundar uma visão feminista sobre a soberania alimentar.
Em agosto de 2008, as mulheres da MMM e da Via Campesina Brasil organizaram o Encontro Nacional de Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética. Esse foi um momento no qual afirmamos a crítica à concepção de desenvolvimento baseada na ideia de crescimento econômico ilimitado, onde o mercado e o lucro privado são priorizados em detrimento da dignidade e sustentabilidade da vida. As mais de 500 mulheres urbanas e rurais presentes deram visibilidade às alternativas construídas em práticas populares nos territórios, pautadas pela afirmação da agroecologia como projeto político para alcançar a Soberania Alimentar, pela defesa do direito dos povos ao território e bens comuns e pela igualdade como princípio organizador da sociedade.
3a ação internacional
Seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres
A Terceira Ação Internacional foi realizada em 2010. No Brasil, 3 mil mulheres marcharam entre as cidades de Campinas e São Paulo. Os quatro campos de ação: Trabalho e autonomia econômica das mulheres; violência; bens comuns e serviços públicos; e paz e desmilitarização – concretizaram a plataforma da MMM.
Esta ação teve três focos: expressar demandas nacionais por meio de marchas e/ou caravanas; marcar o 100º aniversário do Dia Internacional de Luta das Mulheres, por meio da recuperação da história de mulheres lutadoras; amplificar a voz das mulheres que sofrem violência em situações de conflito armado, e apoiá-las em seus esforços para expor as causas dos conflitos e encontrar soluções para superá-las. Mais de 100 mil mulheres de 75 países participaram em ações nacionais, regionais e internacionais.
A grande contribuição desta ação foi convidar as mulheres de todos os países a refletir sobre a militarização da vida cotidiana e sua relação com o modelo capitalista e patriarcal, bem como a visibilizar os interesses que existem por trás dos conflitos. O eixo paz e desmilitarização marcou as ações regionais na Turquia, especialmente pela contribuição das mulheres dos Bálcãs e das curdas, nas Filipinas e na Colômbia, onde ocorreram mobilizações diante das bases militares dos Estados Unidos. O ato de encerramento da ação em Bukavu, na República Democrática do Congo, foi uma experiência única da diplomacia popular e da solidariedade internacional. Dez anos após a entrega das 17 demandas internacionais à ONU, a MMM questionou esta instituição no terreno em que atua, afirmando que os direitos das mulheres inscritos em convenções, tratados e resoluções da ONU só fazem sentido quando são reais para todas as mulheres do mundo.
Para o feminismo, o capitalismo não tem eco!
O novo discurso capitalista, que hoje se traduz nas propostas da “economia verde”, é o mesmo que mercantiliza nossas vidas, nossos corpos e nossos territórios. Resistimos à utilização da natureza como um recurso a serviço do lucro de empresas, visto como inesgotável ou como mercadorias mais caras à medida que se esgotam, pela má utilização.
A experiência de invisibilidade e desvalorização do trabalho das mulheres no cuidado das pessoas é muito similar ao que acontece com a natureza. O tempo e a energia de cuidar das pessoas, que inclui desde o preparo da comida e a realização das tarefas de manutenção da casa até a disponibilidade para a escuta, não são visíveis e são elásticos. As mulheres são as primeiras a se levantar e as últimas a dormir na maioria das famílias. O tempo e a energia dos processos de regeneração da natureza são ocultados e tratados como impedimentos a serem superados para que a máquina do consumo funcione a todo vapor. As mulheres continuam sendo pressionadas para ajustar lógicas e tempos opostos – o da vida e o do lucro- assumindo a sobrecarga de trabalho que a tensão entre essas esferas gera.
A luta feminista por um novo paradigma de sustentabilidade da vida amplia a visão sobre a sustentabilidade ambiental que, muitas vezes, não incorpora as relações humanas como parte dos conflitos e relações de poder que devem ser alteradas.
24 horas de solidariedade: Somos todas Apodi!
O que motiva nossa solidariedade internacional é a compreensão de que todas compartilhamos uma história e uma situação de opressão, ainda que esta se manifeste de diferentes formas em cada país, território ou região.
Em 2012, saímos às ruas em 24 horas de solidariedade internacional feminista. No Brasil, realizamos ações de solidariedade com as companheiras da Chapada do Apodi, na região Nordeste, que resistem ao agro e hidronegócio em seus territórios.
Palestina Livre!
Também em 2012, a MMM participou da organização do Fórum Social Palestina Livre, em Porto Alegre. O maior número de refugiados do planeta é formado por palestinos e palestinas, que ocupam hoje apenas 2% de seus territórios originais. A ação do Estado genocida de Israel conta com a conivência, apoio e financiamento de outros Estados poderosos como os Estados Unidos e gera muito lucro para a indústria armamentista. Ser militante, neste contexto, é um processo que altera profundamente a vida de cada uma das mulheres. A repressão, a prisão e até a tortura estão no horizonte de quem decide resistir a essa ocupação violenta e lutar pela Palestina livre.
O Fórum foi um espaço fundamental para conhecer a realidade e a experiência das nossas companheiras palestinas, e para fortalecer na MMM do Brasil a solidariedade ativa com esta luta.
Ação internacional de 2015
Enraizar a MMM e fortalecer as regiões são alguns dos objetivos da próxima ação internacional, que está em construção.
A proposta é fortalecer a defesa dos “territórios das mulheres”, que são compostos por seu corpo, pelo lugar onde vivem, trabalham e desenvolvem suas lutas, suas relações comunitárias, sua história. Durante a ação será construído um mapa das resistências das mulheres, e outro com as alternativas feministas.
A ação será realizada entre os dias 8 de março e o 17 de outubro de 2015. No dia 24 de abril, sairemos às ruas nas 24 horas de solidariedade feminista, entre 12h e 13h.
No Brasil, diferente de outros momentos em que as mulheres de todos os estados se reuniram em uma ação comum, a ação de 2015 será um processo enraizado em nível local. Está em construção a proposta de realizar ações descentralizadas, para visibilizar as lutas que nós mulheres realizamos em nossos territórios, nossas resistências e alternativas.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!