Entre os dias 10 e 12 de abril, aconteceu em Brasília o Seminário que marcou o aniversário de 10 anos do Grupo Carta de Belém, que reúne organizações, movimentos, trabalhadoras e trabalhadores em defesa dos bens comuns, dos territórios das comunidades e da justiça socioambiental, dentre eles, a Marcha Mundial das Mulheres.
Com o objetivo de fazer um balanço da atuação do grupo, pensar estratégias para o futuro, conhecer as resistências nos territórios, atualizar nossas análises, e criar espaços de articulação para a COP25 no Chile, o encontro, que contou com a presença de diversas organizações nacionais e internacionais -sendo que as análises de fora do Brasil foram fundamentais para pensas nossas resistências também globalmente e regionalmente-, foi um importante espaço de reflexão acerca das novas formas de acumulação e apropriação capitalistas.
Focando a discussão na chamada Economia Verde, tema criticado pelo Grupo Carta de Belém desde a sua fundação, consolidamos ainda mais nossa visão de que tratar da mudança climática como se ela fosse o único problema ambiental que precisamos enfrentar é um reducionismo que só serve para despolitizar esse tema, tirando nossos olhares para o que é o nosso principal problema: o sistema de produção capitalista, que gera desigualdades de todas as formas e que quer se manter absoluto de qualquer maneira, mesmo que as custas dos povos, das florestas, das águas e do ar limpo.
Nossa visão, ao contrário da noção capitalista que pretende pintar essa crise como algo global, escondendo o fato de que os responsáveis por ela são os mais ricos, do norte industrializado, é a de afirmar que as crises, bem como as soluções que precisamos adotar para sair delas, acontecem nos territórios: nas lutas das comunidades afetadas pela mineração, pela extração petroleira, pelo agronegócio e, mais recentemente, pela economia verde. Enquanto o sistema quer nos vender o agronegócio com maquiagem de “agricultura climaticamente inteligente”, as usinas hidrelétricas, a energia nuclear, os transgênicos e as supostas maravilhas do mercado de carbono, nós afirmamos que sabemos que as únicas saídas desse labirinto são: a agroecologia, a soberania energética e alimentar e a luta dos povos e comunidades na defesa dos seus bens comuns.
Nossas reflexões nos levaram a ver que o que sistema tem tentado fazer é compensar os crimes que comete contra as comunidades através do mercado, o que dá permissão para que ele continue se expandindo da forma que bem entende e pagando tudo isso com dinheiro depois, quando acharem que pagar por isso vale mais a pena do que pagar multas ambientais, por exemplo. Nessa lógica, toda a natureza fica a serviço da expansão do capital, que pode usá-la segundo suas próprias leis. Para conseguir fazer isso, foi preciso mudar dispositivos jurídicos que antes classificavam o patrimônio dos povos como bens comuns, ou seja, coisas que não eram de ninguém e nem do Estado, e sim pertencentes a todas as pessoas das comunidades. Hoje, muitos desses bens comuns não são mais classificados assim, viraram propriedades de alguns que, por possuírem essa propriedade, podem vende-la. O Estado brasileiro teve um papel fundamental nisso, e tem agido como um braço do mercado financeiro nesse tema, assim como em tantos outros, como temos visto no caso da Reforma da Previdência.
É por isso que afirmamos que, apesar dos avanços da Economia Verde aparecerem mais nos territórios dos povos do campo, é um tema que diz respeito também a quem está na cidade, porque faz parte de uma engrenagem maior: a tendência de hegemonia do mercado financeiro, em todos os níveis. Isso aparece no poder que as corporações e os bancos tem sobre o Estado, na precarização do trabalho e das condições de vida – o que faz com a carga de trabalho das mulheres aumente ainda mais-, e na expansão capitalista tanto da economia marrom (aquela vinculada ao desmatamento e à indústria do petróleo) quanto da economia verde (irmã da economia marrom, que diz querer resolver os problemas ambientais causados por ela, mas que na verdade é mais uma forma dos capitalistas ganharem, através do mercado financeiro).
Por estes motivos, reafirmamos que, ao falarmos da economia verde, não estamos falando de clima, e sim de uma forma que o capitalismo encontrou de financeirizar cada vez mais as nossas vidas. Essa nova forma não caminha a favor das mulheres: explora e contamina os territórios onde elas trabalham diariamente e fazem a reprodução da vida; constrói mega empreendimentos que sempre estão acompanhados do aumento do índice de violência e prostituição nos territórios onde se instalam; criminaliza os movimentos sociais que frequentemente tem uma maioria de mulheres em seus corpos; limita os modos de vida tradicionais, sua forma de fazer agricultura, de se curar com a natureza e de se conectar com o sagrado.
Junto com os companheiros e companheiras do encontro afirmamos que queremos um modelo baseado no bem viver, na soberania e na transformação. Lutaremos juntos contra o avanço desse modelo radicalmente neoliberal, que precisa do fascismo para se afirmar, e que dá falsas soluções para os reais problemas dos povos do campo e da cidade. Afirmamos que as reais soluções são aquelas construídas nos territórios, pela sabedoria das mulheres e homens que historicamente vivem e resistem em harmonia com a natureza.