Somos 400 mulheres vindas de São Paulo e Paraná, reunidas em Registro, no Vale do Ribeira, para compartilhar nossas alternativas feministas e anti-racistas. Enquanto o capitalismo patriarcal, racista e colonialista, especialmente em momentos de crise, busca avançar sobre nossos territórios, apropriando-se do nosso trabalho e nossos corpos, nós reafirmamos as nossas resistências que se articulam em nossas comunidades, em nosso país e no mundo nesta Quarta Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.
Escolhemos vir ao Vale do Ribeira porque aqui convivem mulheres de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas, ribeirinhas, que resistem há mais de 30 anos contra um projeto de construção de barragem em seus territórios, e que lutam para ter suas terras reconhecidas e tituladas. Mas enquanto essa reivindicação histórica não é atendida, as empresas pressionam para que sejam concedidas licenças para a construção de grandes obras, ao mesmo tempo em que ameaçam as comunidades a sair de seus lugares em nome de uma suposta preservação ambiental.
O que o capitalismo verde chama de preservação ambiental na região é, na verdade, a expulsão gradativa de comunidades inteiras das terras em que vivem, por meio da imposição de proibições ao cultivo de alimentos básicos para seu auto-sustento – como a mandioca, arroz, milho, cará, café – para que os territórios sejam cercados e passem a ser parques fechados privados, destino de turismo ecológico, em que as pessoas precisam pagar para ter acesso.
A natureza resiste no Vale do Ribeira porque tem sido cuidada por gerações pelas comunidades tradicionais que aqui vivem. São as mulheres que cuidam da natureza e das pessoas – crianças, idosas ou adultas ao longo de toda a sua vida, e são as mulheres negras que cuidam ainda mais. Nosso tempo e nossa força de trabalho são vistos como inesgotáveis por esse sistema, e o mercado apresenta falsas soluções para que possamos suportar a sobrecarga de jornadas super-extensas de trabalho, como estimulantes e remédios para aliviar as dores físicas. Dizemos não a essas falsas soluções.
Defendemos o reconhecimento da interdependência entre as pessoas e a natureza, bem como o compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados, que são essenciais para a sustentabilidade da vida. O Estado, os homens e toda a sociedade precisam assumir a responsabilidade com esse trabalho.
Denunciamos que o modelo de desenvolvimento que tentam impor ao Vale do Ribeira não tem o bem estar das pessoas no centro. Esse modelo se baseia na monocultura do agronegócio, super-explora o trabalho, contamina o território e a saúde das mulheres com o veneno dos agrotóxicos que são pulverizados por aviões. As grandes obras, seja na BR no Vale do Ribeira, no Rodoanel em São Bernardo, no aeroporto de Campinas, nas barragens ou projetos de mineração gera empregos temporários para os homens, enquanto as mulheres são empurradas para o mercado da prostituição. Além disso, o aumento da gravidez entre as adolescentes é uma constante nos arredores das obras. Nosso corpo é utilizado como forma de aliviar toda a tensão da super-exploração do trabalho dos homens. Precisamos romper com essa idéia naturalizada de que nossos corpos e nosso trabalho estão a disposição e a serviço dos homens.
Nossos corpos são o primeiro território a ser defendido frente às intervenções do capital, ao controle e as imposições sobre nossa sexualidade, modos de vida e comportamento. A naturalização da heterossexualidade, da maternidade como destino de todas as mulheres e da sexualidade feminina a serviço do prazer dos homens são estratégias de controle.
Controle este que também se manifesta pela invisibilidade e desvalorização do trabalho realizado por nós mulheres, seja no trabalho doméstico, no trabalho minucioso nas linhas de produção, na escuta paciente no telemarketing, mas também na produção agroecológica nos arredores da casa e o processamento do pescado. Por isso, rechaçamos o decreto 8425, que não reconhece o trabalho das mulheres na pesca artesanal.
Resistimos à ofensiva conservadora presente nos meios de comunicação e nas instituições como o poder legislativo e judiciário. Lutamos para transformar o sistema político, despatriarcalizar o Estado e desmilitarizar a polícia.
As mulheres do Paraná e de São Paulo aqui presentes enfrentam os governos estaduais que tem tratado com truculência as lutas sociais, como aconteceu este ano com a greve da educação, protagonizada pelas mulheres que são a grande maioria entre as trabalhadoras do setor. No poder legislativo, a ofensiva conservadora e reacionária quer eliminar a diversidade da sociedade, retirando a perspectiva da igualdade de gênero e étnico-racial e os direitos LGBTs dos Planos Municipais e Estaduais de Educação, construídos a partir de muita luta.
Enfrentamos o conservadorismo que se expressa no ódio, na humilhação, na lesbofobia, na intolerância religiosa, na violência e no racismo, sobretudo no genocídio da juventude negra provocado pela violência policial e a militarização das periferias. Denunciamos a redução da maioridade penal como estratégia para recrudescer o encarceramento de homens e mulheres negras.
Frente a esta ofensiva da direita conservadora, fortalecemos nossa organização para avançar e impulsionamos alianças com os movimentos sociais. As alternativas construídas pelas mulheres na economia solidária e feminista, na agroecologia, na comunicação contra-hegemônica, nas organizações de moradoras nas periferias das cidades, se somam para fazer do bem viver uma realidade hoje para todas e todos. As alternativas feministas não são práticas isoladas, mas um processo de construção permanente, de retomar o controle sobre os nossos corpos, de enfrentar a alienação e o avanço do conservadorismo que é material e também ideológico.
Nos somamos às nossas companheiras da Paraíba e de Pernambuco que realizam na próxima semana mais uma etapa da quarta ação internacional da MMM. Juntas, fortalecemos nossa auto-organização no enfrentamento à violência contra as mulheres e à impunidade dos agressores. Neste momento, reivindicamos a condenação do assassino de Ana Alice, jovem agricultora do pólo sindical da Borborema que foi violentada e assassinada.
Nossa agenda de mobilizações segue! Estaremos na Marcha das Margaridas nos dias 11 e 12 de agosto em Brasília, para afirmar e ampliar as conquistas das mulheres do campo, das águas e da florestas. Estaremos novamente em Brasília, em 18 de novembro, na Marcha das Mulheres Negras, para lutar contra o racismo, o machismo, a violência e pelo bem viver.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Registro, 11 de julho de 2015