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Em marcha pelo fim da violência contra as mulheres, do racismo e da extrema direita

A Marcha Mundial das Mulheres se manifesta a respeito dos acontecimentos de 6 de setembro de 2024, quando o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi acusado de assédio sexual. Em um portal de notícias, foi divulgada uma apuração jornalística envolvendo o nome da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, como uma das vítimas que relataram denúncias de assédio feitas a uma ONG. Nós da Marcha Mundial das Mulheres, enquanto um movimento feminista, socialista e antirracista, afirmamos que nenhuma forma de violência contra as mulheres deve ser tolerada em qualquer espaço. Em uma sociedade marcada pelo machismo, racismo e misoginia, expressamos nossa solidariedade à ministra Anielle Franco e às demais mulheres que enfrentam diariamente a violência em suas diversas formas.

O papel do Estado no enfrentamento à violência contra as mulheres

Chamamos a atenção para falhas dos mecanismos institucionais. Destacamos a importância da agilidade e eficiência das respostas do Estado no acolhimento e apuração de situações como essa. É imprescindível que o serviço público e a justiça funcionem com eficiência para todas as mulheres. Se uma ministra como Anielle Franco, uma figura pública, pode estar sujeita a dificuldades de romper o silêncio e denunciar uma situação de violência, imaginemos o que se passa com mulheres sem essa visibilidade e poder. Casos como esse nos alertam sobre as muitas dificuldades e obstáculos que existem para denunciar assédios.

A violência contra as mulheres não pode ser vista como algo sem solução. Já conquistamos leis importantes, mas que, sozinhas, são insuficientes para impedir que a violência aconteça. Precisamos construir ambientes seguros e livres de violências em todos os espaços, inclusive na política, onde mulheres, especialmente negras, não são vistas como adequadas para ocupar esses espaços de poder.

A situação divulgada na última semana é complexa e nos causa grande tristeza e indignação, pois envolve dois ministérios fundamentais na luta contra o ódio conservador. Tanto o Ministério da Igualdade Racial como o Ministério dos Direitos Humanos precisaram ser reconstruídos após seis anos de governos misóginos, fascistas e racistas. São ministérios com um papel importante na construção de políticas públicas de proteção às pessoas e comunidades mais vulneráveis. O episódio recente não pode apagar as lutas históricas das pessoas negras nesses espaços de poder. A nomeação de pessoas negras para assumir esses cargos foi um passo fundamental na reconstrução da democracia, com papel importante no combate ao racismo e ao machismo.

O Estado brasileiro precisa atuar com determinação, e reunindo todos os seus ministérios para articular políticas intersetoriais de enfrentamento às violências. Também precisa apoiar estados e municípios, provendo recursos para que as políticas aconteçam. Essas políticas devem estar conectadas, atuar com as políticas educativas desde o ensino infantil até o superior.

Um mundo sem violência é possível 

A violência contra as mulheres é uma das formas de controle dos nossos corpos, da nossa sexualidade e de nossas vidas. É expressão e instrumento do patriarcado neoliberal. Quando uma denúncia vem a público, toca a todas nós. Todas já tivemos medo de andar sozinhas, deixamos de estar em determinados lugares, já fomos constrangidas, já nos silenciamos, já limitamos nossas escolhas, nossa liberdade e nossa autonomia por conta do machismo. Basta! Precisamos reagir, despatriarcalizar o Estado e o mundo!

O corpo das mulheres não é um território público ou um brinquedo que os homens possam apalpar e tocar sem consentimento – muitas vezes, justificando como se fosse brincadeira ou uma forma de afeto. A sociedade em geral, incluindo o conjunto dos homens, não pode tolerar mais esse pacto de impunidade machista. 

As redes sociais têm sido lugar para a promoção dos discursos de ódio, de revitimização e crueldade contra as mulheres e as pessoas negras. As redes expõem a vida das mulheres e criam  “tribunais” baseados na lógica do “cancelamento”, formando grupos contra e a favor, tanto da vítima, quanto do agressor. Se, por um lado, o agressor recebe apoio, por outro,  é condenado compulsoriamente, sem direito à defesa. Isso também não é democrático. 

Diante dessa situação de exposição pública, reafirmamos a necessidade de investigação e apuração das denúncias. Importa destacar que, historicamente, as denúncias assumem expressão pública e efeitos punitivos mais severos quando envolvem pessoas negras. Os mesmos efeitos não recaem da mesma forma sobre homens brancos que, inclusive, seguem ocupando cadeiras públicas importantes. 

Não podemos permitir que as denúncias sejam usadas para deslegitimar as lutas antirracista, feminista e dos direitos humanos. Ressaltamos a importância das denúncias e do debate público para que nenhum homem, nesta sociedade patriarcal e misógina, continue a violar mulheres e meninas sem as devidas consequências. A justiça não pode ser seletiva.

Feminismo para frente, machismo para trás

Nós, feministas, estivemos na linha de frente do enfrentamento ao golpe de 2016. Desde então, seguimos firmes na resistência ao fascismo. O desafio do combate ao machismo e ao racismo é responsabilidade não apenas das feministas, e sim de toda a esquerda, de todas as pessoas  comprometidas com a defesa dos direitos humanos, de justiça e paz. Isso precisa estar na agenda do governo e também dos movimentos mistos. É importante que os governos comprometidos com o povo contribuam com o fortalecimento do conjunto dos movimentos sociais e com a auto-organização das mulheres. Só é possível enfrentar o neoliberalismo, o fascismo e a violência a partir da luta coletiva. Só assim, poderemos reconstruir o país e a democracia e avançar.

A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer!
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

Marcha Mundial das Mulheres, 10 de setembro de 2024

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