Inteligência Artificial da Reforma Agrária e Agroecologia, um novo front de organização e luta para os Movimentos Populares

08/11/2025 por

O projeto IARAA: Inteligência Artificial da Reforma Agrária e Agroecologia é uma iniciativa voltada para o desenvolvimento de uma ferramenta de IA para fortalecer o processo de massificação da agroecologia. Encabeçado pelo MST e pela Marcha Mundial das Mulheres, e impulsionado pela Baobab, Associação Internacional para Cooperação Popular, o projeto nasce com um caráter internacional que prevê o desenvolvimento conjunto com organizações de mais países. A primeira etapa presencial das oficinas de desenvolvimento do projeto, que reuniu 10 agroecólogas e agroecólogos de todas as regiões do país junto à equipe técnica, aconteceu nos dias 3 e 4 de novembro de 2025 na Escola Nacional Florestan Fernandes.

A IARAA começa a germinar no Curso de Inteligência Artificial para Movimentos Populares do Sul Global, que aconteceu em Shanghai, em julho deste ano. Lá, além de se apropriar crítica e tecnicamente das tecnologias envolvidas na Inteligência Artificial (IA), militantes desses movimentos e de outras organizações do mundo tiveram contato com um outro modelo de desenvolvimento tecnológico: o de um desenvolvimento socialista, orientado por um projeto econômico e político de prosperidade comum para seu povo. Este modelo é bastante diferente do padrão das Big Techs, com o qual travamos os primeiros contatos.

Para a classe trabalhadora do Sul Global, o impacto perverso da Inteligência Artificial chega primeiro. Ele se manifesta nas bombas que caem sobre Gaza, dirigidas por sistemas como a IA israelense Lavender, no racismo das IAs de reconhecimento facial usados pela segurança pública ou no monitoramento invasivo de salas de aula.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a IA deve eliminar 92 milhões de postos de trabalho nos próximos anos. No entanto, não há sinais de um plano efetivo para lidar com o impacto social que este cenário impõe.

Estes são alguns exemplos dos problemas herdados dos processos neoliberais: desindustrialização e crônica falta de investimento em infraestrutura digital e na formação de mão de obra qualificada. Consequentemente, os impactos da Inteligência Artificial nos países que não estão à frente de seu desenvolvimento têm sido o aprofundamento da desigualdade digital e da dependência tecnológica.

Cenário que se reflete hoje na disparidade de acesso a essas tecnologias e à conectividade, ainda deficiente, especialmente nas áreas rurais. O que agrava o desafio crítico da falta de controle sobre dados estratégicos e sensíveis dos nossos povos, territórios e produção de conhecimento, hoje hospedados em processados nas nuvens de grandes companhias como Microsoft e Amazon. 

Essa dinâmica está também presente no campo. Transnacionais como John Deere, Basf e Microsoft implantam sistemas de internet das coisas e inteligência artificial em parceria com o agronegócio. É o aprofundamento da concentração fundiária, que permite a captura de dados de centenas de milhares de hectares pelas big techs. Ao mesmo tempo, chatbots para agricultura se espalham, prometendo soluções milagrosas quando, na realidade, simplificar e homogeneizar o conhecimento das famílias agricultores e técnicos agropecuários.

Neste contexto, por meio do projeto IARAA, os movimentos se posicionam, construindo uma ferramenta de IA para potencializar a democratização do acesso a conhecimentos e saberes agroecológicos, populares e tradicionais. Ocupam e dão um caráter popular a um espaço ainda de acesso restrito: o do desenvolvimento de tecnologias digitais.

A agroecologia tem sido construída pelos movimentos dentro de uma perspectiva estratégica de projeto político e no enfrentamento da crise ambiental e ao modelo insustentável imposto pelo agronegócio. Socializar esse acúmulo é uma das tarefas fundamentais para a massificação da agroecologia, a qual se conecta à organização produtiva das cooperativas, agroindústrias, associações e da comercialização, fortalecendo a atual forma de fazer a luta pela terra.

Durante os dois dias de formação e trabalho na escola, o coletivo trabalhou na construção dos fundamentos da base de conhecimento que irá alimentar a IARAA. Diferente dos grandes modelos de IA que se apropriam e se beneficiam privadamente do conhecimento produzido pela humanidade, o projeto IARAA, por princípio, reconhece e exalta a dimensão e o esforço coletivo da produção desse saber, gerado por instituições de pesquisa, universidades, movimentos, coletivos e pelos povos do campo, da floresta, das águas e comunidades tradicionais.

O grupo também trabalhou no desenvolvimento das instruções, que irão orientar e garantir o rigor conceitual, científico, técnico da agroecologia, assim como o caráter produtivo, organizativo e de luta nas respostas da IARAA. A proposta é que esta seja uma ferramenta  de IA diferente do que é oferecido pelo mercado. Que não se encerre numa interação individual e passiva com quem venha usá-la. Mas que potencialize nossas organizações, nossas lutas, nossa produção de conhecimento neste caminho da agroecologia. 

Topo