Entre os dias 1 e 3 de novembro, cerca de 1.200 pessoas de mais de 80 países se reuniram em Havana, Cuba, para o Encontro Anti-imperialista de Solidariedade, por Democracia e contra o Neoliberalismo. Foi um grande momento de unidade entre delegadas e delegados de centenas de organizações para refletir sobre os desafios do contexto atual para o continente. O Encontro foi organizado pela Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, junto às organizações cubanas e ao movimento de solidariedade a Cuba.
Os três dias contaram com painéis de conjuntura, debates temáticos, intercâmbio nos bairros, tribuna aberta, exposição dos movimentos e momentos de solidariedade a Cuba, à Venezuela e a todos os povos que lutam. Na plenária de encerramento, discursaram Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e Díaz-Canel, presidente de Cuba.
Desmantelar o capitalismo patriarcal e racista
O primeiro painel debateu os desafios da esquerda frente ao imperialismo, com a participação de Nalu Faria (MMM/Brasil), Atilio Borón (Argentina), Yasmin Bárbara Vázquez (Cuba) e José Luis Centella (PC/Espanha). A aliança entre os movimentos se colocou como uma estratégia capaz de fazer uma ofensiva popular contra o imperialismo e o neoliberalismo, que criam mentiras, empobrecem populações e têm como método a violência. A comunicação popular se colocou como uma ferramenta pra mostrar o que o monopólio da mídia esconde.
“Nossa luta é anti-sistêmica, contra o modelo capitalista, heteropatriarcal, racista, que destrói a natureza e trata alguns seres humanos como descartáveis, agudiza a exploração de nosso trabalho e de nossas vidas com um controle de nossos corpos cada vez maior, mulheres e homens, LGBTQ, trabalhadores negros e indígenas. Queremos construir outra sociedade”, disse Nalu Faria.
Para isso, é preciso que o feminismo e a justiça ambiental sejam parte fundamental da luta: “o modelo capitalista imbrica o patriarcado e o racismo, e é necessário desmantelar, de forma articulada, todos esses sistemas de opressão. (…) Não se trata apenas de incorporar os direitos das mulheres, dos negros, dos povos indígenas, mas também de aprender com suas experiências, como é o caso dos povos indígenas que há mais de cinco mil anos vivem em harmonia com a natureza”.
Durante a tarde, o Encontro se abriu para a Maré Anti-imperialista, um momento de troca entre as/os participantes e de movimentação nas redes, com tags como #ManosFueraDeCuba e #SeguimoEnLucha. Além disso, uma tribuna aberta anti-imperialista trouxe vozes de lutadoras e lutadores de diversos países e seus enfrentamentos locais.
De noite, as/os participantes visitaram CDRs (Comitês de Defesa da Revolução) do bairro de Barbosa, a oeste da capital cubana. Apresentações das crianças, uma mesa farta de comida e troca de ideias sobre a importância dos CDRs para a organização da vida e da revolução nos bairros, onde as mulheres têm papel de liderança e protagonismo. Ao fim, um grande show na praça, com grupos musicais de Cuba e da Venezuela, e falas de militantes como Iridiane, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC/Brasil), e Cindy Wiesner, do movimento It Takes Roots (EUA) e da Marcha Mundial das Mulheres, que falou sobre a luta do povo nos Estados Unidos contra o presidente Donald Trump.
Solidariedade e articulação para derrubar o neoliberalismo
No sábado (02), o dia começou com um painel sobre os desafios para uma articulação solidária de nossas lutas. Falaram Karin Nansen (Amigos da Terra/Uruguai), Monica Valente (Foro de São Paulo/Brasil), Ismael Drullet (Capítulo Cubano de Movimentos Sociais/Cuba) e Manuel Bertoldi (Assembleia Internacional dos Povos/Argentina).
As lutas recentes no Haiti, Equador e Chile foram evidenciadas como exemplo da mobilização popular de resistência ao neoliberalismo e aos retrocessos antidemocráticos na região. “Os golpes de estado e a militarização são realidades que cerceiam a vida dos povos. É fundamental denunciar quem são os perpetradores”, denunciou Karin, apontando a necessidade de que a solidariedade internacional resulte em uma agenda conjunta de lutas.
Em seguida, foram entregues mais de 2 milhões de assinaturas de cubanas e cubanos exigindo a liberdade de Lula. A solidariedade e o internacionalismo são princípios que se concretizam na prática.
Durante a tarde, as/os participantes se dividiram em comissões temáticas para aprofundar os seguintes temas: solidariedade; enfrentamento às transnacionais; comunicação; juventude; democracia, soberania e anti-imperialismo; integração. As contribuições desses espaços enriqueceram o debate e os consensos para o plano de ação e a declaração final do Encontro.
Pela noite, uma plenária aberta da Jornada Continental reuniu centenas de pessoas para avançar na construção de ações articuladas. “Desde nosso espírito de construção de confiança e unidade na diversidade, coletivizando nossos esforços, trabalharemos desde agora e durante todo o ano que vem articuladamente para dar continuidade a propostas sobre transição justa, enfrentar as falsas soluções da economia verde, pelo desmantelamento do patriarcado, lutar contra o neocolonialismo, o racismo e todos os instrumentos de dominação capitalista”, afirma o documento.
As organizações presentes, entre movimentos de trabalhadores, de juventude, de indígenas e de mulheres, firmaram o compromisso de atuar em aliança durante ações como a Cúpula dos Povos no Chile, a Ação Internacional da MMM, a Semana de Luta Anti-imperialista, o Dia de Ação Contra as Barragens e o Congresso da CSA. Desde seu início, em 2015, a Jornada Continental traz a perspectiva de luta permanente contra as transnacionais e o livre comércio, em defesa da democracia e da integração dos povos, tendo a justiça ambiental e o feminismo como eixos transversais.
Construir um projeto anti-imperialista e revolucionário
No último dia, a Declaração de solidariedade à revolução cubana e a declaração final do Encontro foram aclamadas pelo plenário. A declaração firma a responsabilidade de seguir em mobilização intensa, permanente e integrada, e de denunciar ameaças e ataques à democracia e à soberania dos povos de todo o mundo. Pelo povo saaraui, por paz na Colômbia, por independência para Porto Rico, pela liberdade de Lula, pela Palestina e tantos outros processos de luta popular.
Reitera “a importância de avançar na construção da unidade anti-imperialista das forças políticas de esquerda e dos movimentos sociais e populares, em relação à pluralidade, à diversidade e ao direito soberano dos povos de escolher livremente sua forma de organização política, econômica e social, convencidos de que a unidade é a única via para alcançar a vitória no enfrentamento ao principal inimigo dos povos: o imperialismo ianque e seus aliados”.
Na plenária de encerramento, falaram Nicolás Maduro e Díaz-Canel. Maduro discursou contra o Fundo Monetário Internacional, o neoliberalismo e todos aqueles que o acusam de ditador para justificar golpes de estado e invasões. Disse estar muito preocupado com a ameaça de repressão no Brasil, e afirmou que “o encarceramento de Lula foi um golpe de estado para impedir que ele ganhasse as eleições”. Saudou as lutas populares nas Américas: “já está se levantando uma nova onda anti imperialista”. Para ele, é preciso construir “um projeto alternativo ao neoliberalismo, um projeto humanista, profundamente revolucionário”.
Díaz-Canel denunciou as tentativas dos poderosos de desestabilizar iniciativas de esquerda. Para ele, “o primeiro inimigo é a mentira anti imperialista”, pois “com mentiras, invadiram países e destroçaram povos”. O presidente de Cuba denunciou o bloqueio econômico como uma política criminosa dos Estados Unidos. “Não foi o primeiro imperador a se impor e tampouco será o último a derrotarmos”, disse sobre o presidente dos EUA Donald Trump, que vem acirrando o enfrentamento a Cuba. “A revolução cubana está aqui para provar que, sim, é possível”. Díaz-Canel afirmou a importância da amizade entre os povos e das juventudes que, hoje, estão se rebelando. “Nenhuma causa justa nos exagera”.