Mulheres do Brasil, Angola e Moçambique, atingidas por projetos de grandes empresas do setor extrativista e da agricultura, estiveram reunidas entre os dias 12 e 16 de novembro, em Maputo, na capital moçambicana, para participarem da Oficina de Solidariedade e Construção de alternativas ao extrativismo. A atividade foi uma iniciativa da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) de Brasil e Moçambique, Fórum Mulher e da Fundação Friedrich Ebert (FES), em articulação com as Jovens Feministas de Moçambique, Ondjango Feminista (Angola) e Women and Law in Southern Africa (WLSA).
Brasil, Angola e Moçambique têm sofrido investidas das empresas transnacionais na exploração da natureza, acarretando diversos problemas sociais e ambientais. Segundo Nzira, coordenadora do Fórum Mulher e da coordenação da Marcha Mundial das Mulheres de Moçambique, nesse contexto, as mulheres são as mais atingidas. “Muitas mulheres tem sido retirada de suas terras para dar os campos ao extrativismo e à extração de minério. E nessa conjuntura, tem havido muita violência sexual, seja com as mulheres, seja com as crianças”, pontuou.
É o que ocorre na província de Cabo Delgado, em Moçambique. Felismina Fabião, coordenadora do movimento paz e segurança das raparigas, relata que a extração de rubi nessa região só trouxe tristeza e lágrimas. “Fomos arrancadas de nossas machambas (roçados). Nós somos violentadas, sofremos com doenças sexualmente transmissíveis. Nós mulheres sofremos muito das violências da mineração. São tristezas e lágrimas que nunca vão acabar”, afirmou.
Em Apodi, no estado brasileiro do Rio Grande do Norte (RN), a violência chegou com a tentativa de expulsão das agricultoras e agricultores de suas terras para dar lugar ao perímetro irrigado. “Começou o conflito dentro das famílias. Eles diziam que o projeto era bom e que ia empregar muitos agricultores. Nós que estudamos o projeto, sabíamos que aquilo não era verdade”, explicou Rita Oliveira, da agrovila Palmares. Além de Rita, do RN, as companheiras do Vale do Ribeira, em São Paulo, também estiveram no encontro.
Para Maria Cussaia, da Associação de Mulheres Para Legais, em Tete, província moçambicana que será afetada pela extração de minério, “enquanto as políticas não mudarem os conflitos e os mesmos tipos de problema vão continuar a existir”, pontuou.
Diante desse cenário, Nzira de Deus explica que a ideia do encontro ligado ao tema do extrativismo surgiu de uma oficina intitulada de Laboratório Feminista, organizada anteriormente pela FES. “Nós, as lusófonas, achamos que precisávamos de um espaço para estarmos juntas e partilharmos aquilo que são as nossas vivências, nossas lutas, nossos desafios, e as alternativas que temos construído com relação ao contexto da mineração, do agronegócio, e da agricultura de grande escala que os nossos países estão enfrentando”.
Para Marianna Brito, da Marcha Mundial das Mulheres da Suíça, o encontro foi importante para reafirmar o caráter popular da luta feminista da MMM e mostrar que a nossa luta política está enraizada em processos concretos de resistência e construção de alternativas. “Reafirmamos que nós mulheres estamos na linha da frente da luta contra as empresas transnacionais que colocam a acumulação de capital sempre acima das vidas das pessoas e do respeito pela natureza. E também mostramos que estamos produzindo alternativas concretas a partir dos nossos territórios a esse modelo de desenvolvimento predador”, avalia.
Entre as alternativas concretas, está a agroecologia. Para tanto, o grupo de brasileiras, angolanas e moçambicanas visitou duas experiências agroecológicas. Em Manhiça, o plantio é parte da resistência ao conflito entre a associação de camponeses (composta majoritariamente por mulheres) e um empresário sul-africano que tem tentando retirar as terras da comunidade para a expansão da monocultura da cana. Já em Marracuene, a experiência agroecologia é parte da União das Cooperativas Agrícolas de Marracuene (UCAM).
Marianna Brito aponta que, para o futuro, fica o desafio de continuar o diálogo entre os países lusófonos, apesar da conjuntura estar contra nós e contra os nossos direitos. “As mulheres mostraram nesse encontro que tem muita garra e muita disposição pra lutar e resistir. Foi muito importante também pra vermos que nós mulheres brasileiras, moçambicanas e angolanas enfrentamos desafios em comum no que se refere aos avanços de capital sobre nossos corpos, nossas vidas e nossos territórios, o que também nos mostra a importância de uma agenda comum de lutas e de construção de solidariedade entre nós, para além das fronteiras geográficas que nos separam”, avaliou.