Nesta sexta-feira, dia 24 de abril, a Marcha Mundial das Mulheres mobilizou uma ação global contra as empresas transnacionais. Neste ano, as 24 Horas de Solidariedade Feminista são realizadas exclusivamente pela internet, devido à pandemia do novo coronavírus e às recomendações de isolamento social. Por todo o mundo, as militantes feministas organizaram atividades, entre debates ao vivo, lançamento de materiais e tuitaços, para denunciar os ataques das grandes corporações sobre a vida das mulheres e sobre a natureza. É um momento de denúncia anticapitalista, antipatriarcal e antirracista, mas é também uma ação de solidariedade às mulheres que resistem ao redor do mundo, construindo alternativas feministas em movimento. Por conta do fuso horário de cada país, a soma de todas as manifestações resultam em 24 horas de ação global.
A data foi escolhida para relembrar o desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, no ano de 2013, que matou 1138, 80% mulheres. Nesse pŕedio funcionavam confecções de grandes marcas de roupa, como Walmart, Benetton, H&M e C&A. O crime feriu mais de 2.500 pessoas. Desde então,a data marca a luta feminista contra a impunidade das empresas transnacionais que precarizam o trabalho e a vida das mulheres.
No Brasil, a Marcha realizou uma transmissão ao vivo, das 12h às 13h, com a participação de militantes de diversos estados do país. Conceição Dantas, do Rio Grande do Norte, abriu o debate introduzindo a perspectiva feminista contra as empresas transnacionais: “as transnacionais são a expressão mais significativa do duelo do capital contra a vida. Cada vez mais aumentam os lucros e reduzem o custo do trabalho em todo o mundo”.
Fora, Bolsonaro!
Ela mencionou a forma como as empresas expulsam as mulheres dos territórios (as eólicas, as mineradoras) e também a hipocrisia impulsionada por elas, que vêm fazendo campanha de marketing durante a pandemia (com lives de shows e campanhas de arrecadação) ao mesmo tempo em que cortam direitos, demitem e pressionam para que as/os trabalhadoras/es saiam do isolamento. O assunto dos impactos da pandemia sobre a vida das mulheres foi constante no debate. A MMM no Brasil está articulando sua agenda da 5ª Ação Internacional com a luta contra a pandemia em conjunto com os movimentos sociais, pressionando o governo por políticas de proteção social e organizando ações de solidariedade e uma campanha pela taxação das fortunas como parte de uma luta por justiça tributária. Em um país governado pelo neoliberalismo autoritário de Bolsonaro, o desmonte de políticas e a precarização do trabalho explicitam o ataque do capital contra a vida e a necessária resposta dos movimentos sociais: Fora, Bolsonaro! Por um governo democrático e popular.
Para o feminismo, o capitalismo não tem eco!
Durante a transmissão, foi exibido um vídeo das mulheres do MST em denúncia à Bayer, empresa que comprou a Monsanto e promove a destruição da natureza e a liberação de mais agrotóxicos. A defesa da justiça ambiental e a denúncia da chamada “economia verde” foram dois dos temas centrais do debate, pelos tantos ataques das grandes corporações e, em resposta, pela intensa resistência dos povos em seus territórios. Letícia Paranhos, da organização Amigos da Terra Brasil, falou sobre as alianças na luta contra a financeirização da natureza e a impunidade das transnacionais, que oferecem as chamadas “falsas soluções” (aquelas que se mostram como sustentáveis mas, na verdade, seguem explorando o trabalho e a natureza). Bernadete Monteiro, de Minas Gerais, focou sua denúncia na Vale, empresa que acumula episódios criminosos de expulsão de comunidades, criminalização de lideranças, além das tragédias brutais em Mariana e Brumadinho. Ela também denunciou as transnacionais que querem privatizar bens comuns como a água.
O capitalismo destrói a vida
Mariana Lacerda, do Ceará, expôs a crítica feminista à exploração do trabalho, especialmente sob o governo neoliberal de Bolsonaro, que retira direitos trabalhistas, aprovou a Reforma da Previdência e incentiva a exploração das empresas de call center e e-commerce. A divisão social, racial e sexual do trabalho precariza a vida das mulheres, tanto no trabalho remunerado quanto no não remunerado. “Nesse período de pandemia, muitas pessoas têm falado o quanto o trabalho doméstico e de cuidados tem sido exaustivo. Em tempos de normalidade, esse trabalho sempre existiu. Ele é fundamental para a produção do viver”, disse.
Talitha Demenjour, enfermeira e militante no Rio de Janeiro, falou das transnacionais da saúde, como a americana GE HealthCare, a suíça Hamilton Medical e a chinesa Tong Yong Technology que, dentre outras poucas, detêm o monopólio da produção dos equipamentos essenciais para o enfrentamento da pandemia do coronavírus. Ela apontou que a crise mundial do acesso a insumos e materiais de saúde é um resultado do avanço predatório e desenfreado do capital sobre a vida.
As alternativas feministas
As mulheres do Assentamento Sítio Góis, localizado na Chapada do Apodi, também marcaram presença na Ação das 24h de Solidariedade. Em vídeo,Ivone, uma das assentadas, reforçou a importância da união feminista ao lembrar da luta construída pelas mulheres contra o agronegócio na Chapada do Apodi há 8 anos. Assim, deu início à segunda parte do debate, focada na construção de alternativas feministas, a partir das práticas cotidianas, permanentes e coletivas, que apontam para a transformação social.
Foi nesse sentido também a participação de Fabiana Oliveira, do Coletivo de Comunicadoras da Marcha, que falou sobre a produção de comunicação contra-hegemônica, feminista e popular. Ressaltou a crítica às grandes plataformas como o Facebook, WhatsApp e Google, que utilizam os dados de seus usuários – muitas vezes adquirindo o consentimento de forma evasiva – tanto para fins de mercado (antecipação de comportamento e tendências de compra) quanto para orientação de eleições. Como resposta: a comunicação em movimento, produzida pela própria militância, emprocessos de convergência e colaboração, se apoiando em ferramentas livres.
Dando prosseguimento ao debate, a companheira Mazé, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), apresentou a crítica às transnacionais do setor de energia, minério, petróleo, gás e, principalmente, aos impérios agroalimentares globais a quem o governo brasileiro vem se subordinando. Tais corporações penalizam tanto a biodiversidade quanto os setores marginalizados da sociedade – as mulheres agricultoras, quilombolas e indígenas são as maiores atingidas. Por isso, as Margaridas reafirmaram em sua marcha de 2019 a necessidade da organização das mulheres do campo e da cidade e de reivindicar a agroecologia como movimento político em defesa do desenvolvimento sustentável.
Desafios do feminismo hoje
Nalu Faria, de São Paulo, fechou o debate refletindo sobre a conjuntura e as alternativas propostas pelo feminismo em conjunto com os demais movimentos sociais. Segundo ela, os desafios atuais estão articulados, ou seja, a luta contra a pandemia não se dissocia do enfrentamento ao governo Bolsonaro ou da luta internacional pelo desmantelamento do modelo capitalista neoliberal nas suas dimensões de classe, raça, do patriarcado, da exploração da natureza e do colonialismo.
Nesta 5ª Ação Internacional, reafirmamos que são as mulheres que sustentam a economia – em nossa presença massiva nos setores da saúde, do cuidado e da alimentação – e, por isso, formulamos respostas para as profundas mudanças que queremos construir na sociedade. “Nós, mulheres,estamos lutando em todos os territórios, no campo e na cidade, nas periferias, por todos os lados. Somos as mulheres que estamos à frente da luta pela autodeterminação dos povos, como as saarauí, as curdas e tantas outras. Por isso, é importante a construção de um sentido e visão comuns paras as nossas lutas, que também é o que vai nos garantir ampliar cada vez mais a construção dos comuns na sociedade – como algo que nos pertence e que construímos coletivamente”.
5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres
As 24 Horas de Solidariedade Feminista fazem parte do calendário da 5ª Ação Internacional da MMM, que foi lançada no dia 8 de março. A cada cinco anos, uma Ação Internacional conecta os processos organizativos do movimento e lutas a nível local. Neste ano, “Resistimos para viver,marchamos para transformar” é o lema da Ação. De 08 de março a 17 de outubro, a Marcha mobiliza uma intensa agenda de lutas no Brasil e no mundo. As informações sobre o calendário estão disponíveis nos sites da MMM nacional e internacional.