Às pressas e com o claro objetivo de impedir uma discussão qualificada, ontem, 4 de junho, foi incluída na pauta do plenário a votação de Requerimento de Urgência para acelerar a tramitação do PL n.º 1904/2024.
O Projeto de Lei tem por objetivo criminalizar a realização do aborto legal em casos acima de 22 semanas de gestação e equiparar a pena para esse procedimento à pena de homicídio simples.
O cenário é grave! É importante relembrar que, desde maio, a situação da alta taxa de gravidez infantil decorrente de estupros de vulnerável, e das barreiras de acesso ao aborto legal no país, vêm sendo analisadas pela ONU, no contexto da revisão do País, pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw).
O Comitê cobrou o governo diretamente pelas 12,5 mil meninas que deram à luz em 2023 – casos que, pela legislação brasileira, poderiam ter sido encaminhados para os serviços de aborto legal, considerando que o Código Penal Brasileiro considera o sexo com menores de 14 anos de idade estupro presumido. A alta taxa de mortalidade materna do país, para qual a falta de acesso ao aborto legal e seguro contribui diretamente, também foi alvo de recomendações do Comitê.
São mulheres e meninas pobres e negras as mais afetadas! Sabe-se que a busca pelo aborto em idades gestacionais acima de 22 semanas se dá, em geral, por mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade socioeconômica: que moram em locais com acesso inexistente ou dificultado à saúde; com deficiências cognitivas; adolescentes e jovens; de baixa escolaridade.
Milhares de meninas terão suas infâncias interrompidas! Em 2023 o número de estupros de vulneráveis chegou a 36,9 casos para cada grupo de 100 mil habitantes (segundo dado do Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Muitas dessas crianças, caso engravidassem, seriam obrigadas a seguir com a gestação, interrompendo a possibilidade de construção de um futuro digno.
Em um país em que, nos últimos 10 anos, a média de partos de meninas com menos de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano, sendo 74,2% negras, não é admissível que novas barreiras sejam impostas para que o aborto legal seja realizado.
São as mulheres vítimas de estupro que serão obrigadas a seguir com a gestação! Sabemos que, desde 1940, o aborto é permitido nas seguintes situações: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Desde 2012, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a possibilidade de interrupção da gestação nos casos de anencefalia.
Ao fazê-lo, a legislação estabeleceu apenas a presença de duas condições: (i) a realização do procedimento por médico e (ii) o consentimento da pessoa gestante. Este Projeto de Lei, portanto, altera a legislação vigente desde 1940 e restringe o aborto legal, atingindo aquelas que são mais vulneráveis! Ele impede que mulheres e meninas estupradas, gestantes que correm risco de vida, sejam obrigadas a gestar e parir, instituindo um verdadeiro cenário de tortura, tratamento cruel e degradante a meninas, mulheres e outras pessoas que podem gestar no Brasil.
Vivemos em um país em que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, se constatou o maior número de registros de estupro e estupro de vulnerável da história, com 74.930 vítimas, em 2022. Destas, 6 em cada 10 vítimas são vulneráveis, com idades entre 0 e 13 anos, em sua maioria vítimas de familiares e outros conhecidos.
Nesse mesmo sentido, o Atlas da Violência, estima que ocorram na realidade 822 mil casos de estupro por ano no Brasil, dos quais apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e apenas 4,2% são notificados ao sistema de saúde. Serão essas as mulheres afetadas por essa alteração legal.
Contamos com o seu apoio para que tal Projeto de Lei não seja aprovado, com a certeza de que Vossas Excelências atuarão em favor da nossa saúde, em favor do nosso direito a não estarmos sujeitas à tortura de prosseguir com gestações decorrentes de estupros e em favor da vida digna de milhares de meninas que têm recorrentemente suas infâncias e seus projetos de vida interrompidos por serem forçadas a continuar com uma gravidez.
Assinam essa carta:
ABONG – Associação Brasileira de Ongs
AJD – Associação Juízes para a Democracia
Anis – Instituto de Bioética
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
Católicas pelo Direito de Decidir
CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres
CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora
Cladem/Brasil
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
Coletiva MULEsta (Pernambuco)
Coletivo Leila Diniz (Rio Grande do Norte)
Coletivo Margarida Alves (Minas Gerais)
Coletivo NegreX
CFP – Conselho Federal de Psicologia
CFESS – Conselho Regional de Serviço Social
Criola
Cunhã Coletivo Feminista
CUT – Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores
DeFEMde – Rede Feminista de Juristas
EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero
FEPLA – Frente Evangélica pela Legalização do Aborto
FFL – Frente Feminista de Londrina
FPLA – Frente Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto da Baixada Santista
Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto
Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular
Frentes Regionais pela Legalização do Aborto dos seguintes estados: CE, ES, MG, PA, PB, PE, RJ, RN, RS, SC, SP.
Grupo Curumim – Gestação e Parto
Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria (Paraíba)
Humaniza Coletivo Feminista (Amazonas)
Instituto Marielle Franco
LBL – Liga Brasileira de Lésbicas
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres
MVM – Milhas pela Vida das Mulheres
MIM – Movimento Ibapuano de Mulheres (Ceará)
Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero
Movimento Mulheres Negras Decidem
Nem Presa Nem Morta
Oitava Feminista (Rio de Janeiro)
Portal Catarinas
RASPDD – Rede De Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir
REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
RFS – Rede Feminista de Saúde
RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras
GDC/BR – Rede Médica pelo Direito de Decidir (Good Doctors for Choice)
RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares
Secretaria Nacional de Mulheres do PT
Setorial Nacional de Mulheres do PSOL
SOF – Sempreviva Organização Feminista (São Paulo)
SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (Pernambuco)
Tamo Juntas – Assessoria Multidisciplinar para Mulheres em Situação de Violência
UBM – União Brasileira de Mulheres
UNE – União nacional dos Estudantes