Nos dias 24 a 27 de fevereiro acontece, na Venezuela, a Assembleia Internacional dos Povos reunindo 400 representantes de 85 países. São integrantes de movimentos sociais, organizações e partidos de todos os continentes, conscientes de que historicamente a agressão colonialista, a ingerência externa, os interesses das corporações sobre os territórios e os bens comuns, significam violência, dominação, exploração e destruição das condições de vida dos povos.
Essa Assembleia é uma demonstração ativa de que, mesmo nos países cujos governos estão atuando contra a Venezuela, os povos estão organizados e extremamente solidários, em defesa da auto-determinação do povo venezuelano. É um espaço de construção do internacionalismo. E, como tanto, mais do que notas e discursos, se espera sair com ações concretas em defesa do processo bolivariano, afirmando o compromisso para apoiar e sustentar a resistência popular e do governo Nicolás Maduro frente aos ataques e agressões imperialistas em curso.
A Marcha Mundial das Mulheres está presente nesta Assembleia. Afirmamos nossa solidariedade e apoio ao povo venezuelano, acompanhando preocupações e convocações das mulheres em defesa da paz, contra a violência e a guerra. A paz se constrói com ações concretas, e por isso nos solidarizamos e apoiamos a resistência das mulheres e do povo venezuelano, que se concretiza atualmente em uma luta cotidiana em defesa da vida, da dignidade e da autodeterminação.
Mas, afinal, o que acontece na Venezuela?
A situação da Venezuela é muito complexa, e para começar o debate precisamos questionar a narrativa construída e consolidada dos meios de comunicação hegemônicos, que repetem distorções, desinformações e mentiras traduzidas a diversos idiomas, todos os dias e mundo afora. As fontes de informação que usamos neste texto vem de meios de comunicação alternativos e populares, tais como a ALBA TV, Brasil de Fato, Telesur, Democracy Now, e dos movimentos feministas.
A Venezuela tem muito petróleo e muito minério. As empresas transnacionais, originais dos EUA, Canadá e outros países do Norte tem muito interesse em controlar esse país, colocando no governo um fulano totalmente submisso aos interesses do capital estrangeiro e do imperialismo estadunidense. Mas além disso, a Venezuela está sob ataque pelo que a revolução bolivariana significa politicamente para a América Latina e Caribe.
Há 20 anos a Venezuela vive um período histórico de transformação social, baseado em políticas de redistribuição e na construção de poder popular. A Venezuela mudou, e parte dessas mudanças tem alteraram as condições de vida, direitos e participação política das mulheres, uma força social fundamental para o processo bolivariano. Como todo processo de transformação, há desafios gigantes e contradições. E como todo processo que afirma princípios, valores e horizontes anti-capitalistas, de soberania popular, com capacidade de seguir adiante e aprofundar as mudanças, ao longo desses 20 anos é alvo de ataques, tentativas de golpe e, mais recentemente, de muita violência.
Na guerra econômica, convergem as sanções externas (dos EUA, Canadá e União Europeia), e o boicote de setores produtivos internos. Soma-se a isso a depreciação da moeda venezuelana, cuja economia depende do preço do petróleo. A hiperinflação e a crise de abastecimento são constantes e se agudizam, o que impacta drasticamente as condições de vida da população.
Processos de desestabilização interna, com violência e sabotagens, tem sido financiados há anos por recursos estrangeiros. Soma-se a isso a estratégia de desinformação e fake news que tem sido mobilizada pela oposição de extrema direita na Venezuela.
Desde janeiro, buscam deslegitimar a eleição de Nicolás Maduro, com a auto-proclamação de Juan Guaidó como presidente. É preciso lembrar que as eleições aconteceram de forma legítima, nos termos da constituição da Venezuela, e inclusive com acompanhamento e reconhecimento de observadores internacionais. As eleições aconteceram em maio do ano passado e sua realização foi resultado de um processo de negociação com a oposição, mas mesmo assim, a oposição mais à direita não se apresentou nas eleições. Essa iniciativa de auto-proclamação como presidente não tem respaldo constitucional na Venezuela, e o que tenta operar é um governo paralelo. Os governos alinhados com os EUA, como de Jair Bolsonaro no Brasil, fazem parte da encenação golpista, pretendendo reconhecer pessoas indicadas por Guaidó como representantes da Venezuela.
Nesses dias, a movimentação imperialista é em torno do envio de uma chamada “ajuda humanitária”, mobilizada pelos Estados Unidos, com apoio especialmente de Jair Bolsonaro no Brasil e Iván Duque na Colômbia. Essa iniciativa reforça a narrativa da intervenção externa e pretende impulsionar conflitos nas fronteiras terrestres e marítimas. É preciso dizer que várias organizações que historicamente atuam com ajuda humanitária se recusaram a apoiar essa ação dos Estados Unidos por considerar que os interesses políticos estão explícitos, o que descaracteriza a ação humanitária. Tem sido comum escutar que, se os Estados Unidos realmente se preocupassem com a dignidade humana e as condições básicas de vida do povo venezuelano, deveria suspender as sanções, boicotes e bloqueios. E é sempre bom lembrar que os EUA tem uma experiência histórica de se meter em questões internas dos países (inclusive com invasões e conflitos bélicos) usando o envio de “ajuda humanitária”, que além de tudo ainda impacta na soberania alimentar.
Frente a crise vivida e sentida pela população venezuelana, se visibiliza um sintoma que é a migração massiva de venezuelanos e venezuelanas para os países da América Latina. É preciso visibilizar também todo o esforço necessário para enfrentar a crise que impacta o cotidiano e dificulta a satisfação das necessidades do povo que vive e trabalha na Venezuela. E são as mulheres que estão a frente do trabalho voluntário, da energia e do esforço necessário para garantir a sustentabilidade da vida. Como mostra um relatório sobre as condições de vida das mulheres venezuelanas, a distribuição de alimentos subsidiados é viabilizada por uma quantidade grande de mulheres que se envolvem para garantir sua execução.
As tensões sobre o presente e o futuro da Venezuela aumentam a cada dia, com uma escalada de violência evidente. Em defesa do governo de Nicolás Maduro e da soberania da Venezuela, há um respaldo importante das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, que os EUA não cansam de tentar minar. São reconhecidas as implicações e proporções internacionais que uma agressão militar explícita na Venezuela poderiam gerar. Aliás, toda essa disputa em torno do destino da Venezuela está imersa nas disputas geopolíticas no contexto de crise internacional, rearranjo de forças, disputas entre potências econômicas e militares.
São muitas as formas que os conflitos armados podem tomar atualmente. Como expressam as mulheres venezuelanas: “As guerras nunca foram soluções para os problemas dos povos ou para as diferenças políticas. Uma guerra ou invasão na Venezuela seria condenar a população ao triste destino que outros povos enfrentam. Hoje, vemos a guerra em sua forma mais convencional e destrutiva ameaçando muito de perto nossas vidas (…) estamos convencidas de que a solução virá do diálogo e do compromisso com a paz, nos marcos do necessário respeito internacional a autodeterminação”.
O povo da Venezuela não está sozinho.
Nossa solidariedade precisa se concretizar no fazer da resistência venezuelana em defesa da auto-determinação, da soberania e da revolução bolivariana nossa resistência. Não é só o destino da Venezuela que está em jogo, é o destino da América Latina e Caribe. E nosso passado, presente e futuro é de luta e resistência, contra o colonialismo racista, patriarcal e depredador que insiste em tentar usar nossos povos, nossos corpos e nossos territórios como fontes de seu lucro e de seu poder. Temos acumulado na América Latina e no Caribe uma história de sujeitos coletivos organizados, populares, que resistem, anunciam e colocam em prática experiências revolucionárias de transformações sociais rumo a soberania popular, a justiça e a igualdade. É como parte desse caminho que nos posicionamos e enfrentamos esse momento de ofensiva imperialista, conectando nosso combate ao projeto da ultradireita fascista no Brasil com a defesa do processo bolivariano na Venezuela, pela paz e pela auto-deteminação dos povos.