Confira um resumo dos debates da MMM Internacional e Brasil em solidariedade às mulheres saarauís
Amanhã, 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) lança sua 6ª Ação Internacional. Neste texto trazemos o debate que aconteceu no último dia 18 de fevereiro, em que aconteceu o pré-lançamento da sua 6ª Ação, que em 2025 traz o lema “Marchamos contra as guerras e o capitalismo! Defendemos a soberania dos povos e o Bem Viver!”. O ano será repleto de mobilizações em todo o mundo, começando no dia 08 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, até 17 de outubro, mundialmente conhecido como Dia Internacional de Combate à Pobreza.
A data escolhida para o pré-lançamento da 6ª Ação Internacional foi a mesma em que se comemora o Dia Internacional de Solidariedade às Mulheres Saarauís. A atividade contou com a participação de companheiras do Acampamento de Refugiados Saarauís, localizado no Sul da Argélia, e da República Democrática Árabe Saarauí – território ocupado majoritariamente pelo Marrocos.
Mais de 120 pessoas, dentre militantes da MMM e de movimentos aliados do mundo todo, se reuniram virtualmente no dia 18 de fevereiro, para conversar sobre a luta do povo saarauí por sua autodeterminação.
A data também ficou conhecida como o Dia da Mãe Saarauí, em memória a mulheres mártires do território, como Shaya’a Othan Ahmed Zain, gestante assassinada durante o bombardeio marroquino de Umm Idriga. Ela exercia o trabalho de enfermeira e estava em serviço no dia 18 de fevereiro de 1976.
Desde 2013, a Marcha Mundial das Mulheres colocou o Dia de Solidariedade às Mulheres do Saara Ocidental em seu calendário feminista internacional. Por isso, a data foi escolhida para marcar o pré-lançamento da 6ª Ação Internacional da MMM.
A atividade começou com uma mística de abertura com o poema “Eu vi uma mulher”, de Fatma Al Ghalia, presidenta da Liga de jornalistas e escritores/as saarauís na Europa. Em seguida, Yildiz Temürtürkan, coordenadora internacional da MMM, expressou, em nome do movimento, sua solidariedade e admiração pelo compromisso das mulheres e do povo saarauí com a luta por sua autodeterminação. Afirmou que a luta também é de todas nós e que queremos aprender com ela.
Yildiz também destacou que o lugar de lançamento da 6ª Ação, que será em Tindouf, na Argélia – onde se encontram os acampamentos de refugiados saarauís – não foi escolhido à toa, pois representa a resistência pela vida em meio ao deserto e à ocupação. Ela lembrou o cenário muito desafiador em que nos encontramos, de crescimento do fascismo (que ela nomeou como tecnofascismo), e suas violações imperialistas, aumento da criminalização de ativistas e guerras interconectadas no mundo inteiro: na República Democrática do Congo, no Sudão, na Ucrânia e no genecídio histórico e em curso na Palestina.
Segundo Yildiz, a resposta feminista deve ser intensificar nossa ação enquanto força organizada a nível mundial, articulada com movimentos de base a níveis local, regional e internacional. “Devemos nos manter unidas frente à política da morte, promovida pelo capitalismo e seu modelo de acumulação predatório”, afirmou. “Defendemos a vida por meio da economia feminista, da desmilitarização, da paz e a defesa dos nossos corpos e territórios”.
Logo depois, Chaba Seini, companheira saarauí da MMM, compartilhou sobre a importância do dia 18 de fevereiro. Segundo ela, a data, apesar de muito triste, é um símbolo de coragem e resistência para as mulheres saarauís e que “a solidariedade não se pede, mas parte da alma e da luta”.
A companheira Galia Djimi, de 73 anos e também saarauí, compartilhou sua história, que envolve um episódio de desaparecimento forçado e tortura sob a ocupação marroquina entre 1987 e 1991. Ela vive até hoje em Laâyoune, capital da República Democrática Árabe Saarauí (que tem 80% do seu território total ocupado pelo Marrocos), e contou como ela e outras companheiras lutavam ao lado dos homens durante o período de guerra de libertação (entre 1976 até 1991), quando foram presas e sofreram muitas violências nas prisões secretas do regime marroquino.
Após 3 anos de prisão, foi solta em 1991. Até hoje, ela e suas companheiras não tiveram direito à reparação e seguem sem notícias ou informações sobre pessoas desaparecidas, como é o caso de sua própria mãe.
Galia também explicou como o regime marroquino, após se utilizar do desaparecimento forçado e da marginalização como método de enfraquecimento da resistência saarauí, passou a adotar, a partir dos anos 2000, a violência física e outras violações dos direitos humanos contra mulheres que lutam pacificamente. O mero ato de erguer a bandeira saarauí em manifestações é considerado uma afronta ao regime.
Atualmente as violências também se dão nas pressões e no estrangulamento econômico, com tentativas de cortar o recurso mensal destinado à pessoas refugiadas – como no caso de mulheres que participam de atos políticos. Antes de concluir, Galia também comentou sobre a tristeza que sente em relação à situação em Gaza, que a faz lembrar dos primeiros dias da ocupação marroquina em sua terra. Segundo ela, muitas armas usadas na época eram também consideradas crimes de guerra, como o fósforo utilizado nos bombardeios de campos de refugiados, tendas e gado no deserto. Porém, “através da solidariedade liderada por mulheres nobres e justas”, está convencida de que a luta caminhará mais longe contra a ocupação.
A próxima a falar foi Aimee Alejandra Ortiz, antropóloga e brigadista da Venezuela, que comentou sobre as estratégias de resistência das mulheres saarauís durante a ocupação espanhola – como a participação em atos de resistência, a organização de serviços de saúde e de logística, a costura de bandeiras e a participação à luta armada. “Tudo isso revela a importância da organização política das mulheres até hoje, um aspecto parecido com o modo de organização das mulheres nas comunas venezuelanas”, disse.
Aimee também destacou o alto nível de participação das mulheres saarauís em espaços políticos e cargos remunerados, além de sua presença fundamental na vida comunitária e trabalhos de reprodução da vida, como o trabalho doméstico e de cuidados. Ao final de sua fala, recitou o poema “Eu sou o Saara”, de Salka Embarek.
Juliana Rodrigues de Senna, da organização Transnational Institute (TNI), trouxe aspectos econômicos e investimentos privados por trás da colonização do território saarauí, tais quais a exploração e venda de recursos naturais por empresas transnacionais, como pescado e fosfato – cuja segunda maior reserva do mundo se encontra em grande parte no território saarauí ocupado. Falou também da maquiagem verde e do avanço de empresas de energias renováveis, alimentando um novo tipo de “colonialismo verde” nesse território.
Ela também ressaltou a importância de campanhas internacionais para denunciar e por fim a esses comércios, resistindo ao colonialismo. Para exemplificar, Juliana citou os casos dos navios bloqueados nos portos da África do Sul e no Canal do Panamá, mas também da ação, coordenada pela Via Campesina, de desmascarar as etiquetas indicando “Marrocos” nos melões e tomates oriundos do território saarauí.
As mulheres palestinas mais uma vez foram lembradas, destacando que tanto Marrocos e quanto Israel, estados colonizadores, têm o apoio dos Estados Unidos.
Beauty Rita Nyampinga, do Comitê Internacional da MMM pela região da África, expressou sua solidariedade e a importância de ouvir mais sobre a luta das mulheres nos campos de refugiados do único território africano que ainda não foi libertado do colonialismo.
Ao final da atividade foi lançado um chamado global para expressar a solidariedade internacional com a luta saarauí, por meio do envio de cartazes para o portal Capire onde mais conteúdo sobre Saara Ocidental pode ser acessado.
Jean Enríquez, pela região Ásia-Oceania, lembrou que ações internacionais são organizadas pela MMM a cada 5 anos desde 2000 e apresentou o calendário da Ação, com as datas internacionais que vão pontuar o ano. O lançamento da 6ª Ação Internacional da MMM acontecerá no Saara Ocidental no dia 8 de março, com 4 dias de atividades.
A Marcha Mundial das Mulheres convida todas as companheiras, Coordenações Nacionais (CNs) e grupos locais a organizarem atividades próprias de solidariedade. Ainda foi lembrado que o dia 8 de março é um dia de mobilização mundial para condenar o genocidio do povo palestino. Acesse aqui a cartilha (em espanhol) elaborada pelas companheiras da MMM na região MENA “A causa, a história, as mulheres. Palestina”.
Completou com os momentos importantes que devem marcar a Ação, entre elas: uma semana de luta contra as empresas transnacionais em abril, uma viagem de barco pelo mar Mediterrâneo para denunciar a morte de pessoas migrantes e as 24 horas de solidariedade contra as empresas transnacionais em outubro.
Como a luta das mulheres saarauís se conecta com a luta das mulheres brasileiras?
No dia seguinte, a MMM do Brasil organizou sua atividade nacional de lançamento da 6ª Ação Internacional em solidariedade às mulheres saarauís. Miriam Nobre, da Coordenação Executiva da MMM e da SOF Sempreviva Organização Feminista, recuperou a perspetiva da MMM sobre a luta pela autodeterminação dos povos e como ela é constitutiva do movimento desde seu início.
Miriam enfatizou que a MMM sempre atuou muito para que povos e nações que não têm acesso a seus territórios possam construir lutas em comum, sem cair na armadilha da divisão entre os povos. Situações como a do Saara Ocidental, da Palestina, do Sudão e a ocupação no sudeste da República Democrática do Congo são lutas interconectadas. Nossa solidariedade abarca todas as situações de extrema ofensiva de controle sobre territórios e seus povos”, declarou.
Míriam também lembrou que sempre que um povo é apartado de seu território, criando a condição de pessoas refugiadas e em diáspora, as mulheres têm um papel fundamental para manter a identidade coletiva. Ainda que o povo seja forçadamente dividido, permanecerá unido.
Por isso é tão importante que a identidade visual desta 6ª Ação Internacional esteja conectada com o símbolo da tenda e demais elementos, como os tecidos floridos e coloridos, que carregam significados das lutas das mulheres saarauís.
Miriam também destacou uma importante reflexão sobre como a luta feminista por autonomia é inseparável da luta pela autodeterminação dos povos e que ambas se traduzem na ideia de corpo-território:
“O Corpo-território é uma forma de se entender como parte de uma comunidade e de um povo. É o modo como as mulheres colocam seus corpos como lugar de resistência”, diz.
Não à toa, o dia 18 de fevereiro é também conhecido como o Dia da “Mãe Saharaui”. Ele marca a importância fundamental do direito à maternidade fora da lógica compulsória, mas sim comunitária.
“Quando feita com autonomia e confiança, a escolha de ser mãe, viver a maternidade e maternagem, especificamente num contexto de genocídio também é resistir. Se trata de um ato político tão forte quanto o direito de não querer ser mãe ou o direito de interromper uma gravidez – para ser mais que sobrevivência, para ser resistência, para ser transcendência”, concluiu Miriam.