“Ô abre alas que as mulheres vão passar” – Com o som dos tambores da Fuzarca Feminista, teve início a 4a ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) em Registro, no Vale do Ribeira, unindo mulheres de São Paulo e Paraná. Depois das ações em Palmas, no Tocantins, e em Varzelândia, no norte de Minas Gerais, essa é a terceira ação realizada no Brasil em 2015, ano em que as atividades acontecem de forma descentralizada para dar visibilidade à luta das mulheres nas diferentes regiões do país.
O tom desta ação foi dado pelas mulheres da região, que acolheram cerca de 400 mulheres neste primeiro dia de discussões. Para elas, este é um momento de fortalecimento da auto-organização das mulheres em suas resistências locais. Ilma Miura, militante da Marcha em Registro, recuperou a trajetória do movimento na região, que teve seu primeiro contato com as mulheres do Vale no processo de construção da última ação internacional da MMM, em 2010 e na Marcha das Margaridas, em 2011. Desde então, a organização das mulheres teve como conquistas algumas políticas públicas, como por exemplo, as de enfrentamento à violência contra a mulher. “Esta conquista foi muito importante, mas a demanda segue reprimida. São 25 municípios no Vale do Ribeira e só existe uma delegacia da mulher e um centro de referência especializado”, comenta Ilma.
Disputa de modelos
Nesta edição da ação internacional, o enfrentamento ao avanço do capitalismo patriarcal sobre os territórios, o trabalho e o corpo das mulheres se traduz em uma disputa em torno do modelo de desenvolvimento do Vale do Ribeira. Rosana Rocha, da Marcha, denunciou que as comunidades tradicionais, como as quilombolas, resistem há mais de 30 anos para continuarem em suas terras. As comunidades lutam pela titulação e regularização de seus territórios. “Enquanto nossa reivindicação não é atendida, as empresas seguem avançando na pressão para que sejam concedidas licenças para a construção de grandes obras, ameaçando nossa permanência nos locais onde sempre vivemos em nome da ‘preservação ambiental’”, apontou Debora Almeida, do Quilombo São Pedro e do MAB. O que o capitalismo verde chama de preservação ambiental na região é, na verdade, a expulsão de comunidades inteiras dos lugares em que vivem, para que os territórios sejam cercados e passem a ser parques fechados, destino de turismo ecológico. A luta destas mulheres é para frear este modelo que desrespeita os modos de vida e as alternativas construídas pelas mulheres, como a agroecologia e a economia feminista e solidária.
Interdependência
Uma das reflexões centrais do encontro foi a compreensão sobre como este sistema capitalista, racista e colonialista, especialmente em momentos de crise, busca avançar sobre os territórios das mulheres, representado pelos seus corpos e espaços em que vivem, trabalham e estabelecem todas as suas relações. A natureza resiste no Vale do Ribeira porque existe troca, existe manejo sustentável e este trabalho é feito, em grande parte pelas mulheres. No entanto, o tempo e a força das mulheres são vistos como inesgotáveis pelo capitalismo, que apresenta falsas soluções para que as mulheres suportem a sobrecarga de trabalho. As mulheres defendem que, ao invés de remédios para aliviar as dores causadas por esta sobrecarga, seja reconhecida a interdependência entre as pessoas e a natureza, o compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados das atividades fundamentais para a sustentabilidade da vida. “A autonomia só é real quando reconhecemos que estamos em relação com outras pessoas e com a natureza”, reforçou Miriam Nobre, da SOF – Sempreviva Organização Feminista e da MMM São Paulo.
O corpo é um território a ser defendido
A defesa do corpo como território também foi um dos temas abordados na plenária de formação feminista de hoje. Para Lays Gonçalves, da MMM do Paraná, é preciso entender o corpo como o primeiro território a ser defendido frente às intervenções. “O controle e as imposições sobre nossa sexualidade, modos de vida e comportamento, a naturalização da heterossexualidade, da maternidade como destino de todas as mulheres e da sexualidade feminina como fonte de prazer para os homens são estratégias de controle”, explana. A realidade é a mesma em todos os relatos: desde a construção de uma rodovia federal no Vale do Ribeira, do Rodoanel em São Bernardo, das barragens ou dos projetos de mineração: os empregos gerados são para os homens, que ficam temporariamente nos alojamentos e organizam um mercado da prostituição. O corpo das mulheres é utilizado como forma de aliviar toda a tensão da super-exploração do trabalho dos homens. “É preciso romper com essa idéia naturalizada de que as mulheres, seus corpos e seu trabalho estão a disposição e a serviço dos homens”, concluiu Lays.
Enfrentar o conservadorismo e o racismo
As mulheres presentes na plenária compartilharam suas experiências de enfrentamento às atuais gestões em seus estados, que têm tratado com truculência as lutas sociais, como aconteceu este ano com a greve da educação no Paraná, protagonizada pelas mulheres que são a grande maioria desta categoria sindical. Elas também comentaram outra realidade comum: o enfrentamento à ofensiva conservadora e reacionária no poder legislativo para retirar a perspectiva da igualdade de gênero e etnico-racial, e os direitos LGBTs dos Planos Municipais de Educação, construídos a partir de muita luta. A avaliação de que este é um momento difícil em que o conservadorismo se expressa no ódio, na humilhação, na intolerância religiosa, na violência e no racismo foi compartilhado por todas as participantes.
Alternativas feministas
Por todo o exposto, é cada vez mais urgente a construção e fortalecimento das alternativas construídas pelas mulheres. A região do Vale do Ribeira ensina muito neste sentido, com as diversas experiências de organização coletiva da produção por meio das cooperativas e grupos da economia solidária, além das experiências de gestão participativa dos territórios.
Mulheres em marcha
No final do dia, foram apresentadas a Marcha das Margaridas que, em sua quinta edição, levará milhares de mulheres do campo, das águas e da floresta para as ruas de Brasília nos dias 11 e 12 de agosto, em defesa de transformações na vida das mulheres rurais e pressão para ampliação das vitórias já conquistadas pelo movimento; e a Marcha das Mulheres Negras que, em torno do eixo “contra o racismo e a violência e pelo o bem viver” espera levar 1500 mulheres de São Paulo para Brasília no dia 18 de novembro. Este processo está contribuindo para enegrecer o feminismo, dando visbilidade para a agenda das mulheres negras, como o combate a violência obstétrica, a desmilitarização da polícia e o fim do encarceramento e genocídio da juventude negra que afeta a vida de milhares de mulheres responsáveis pela reconstrução cotidiana das famílias e comunidades nas periferias de todo o país.
Com a oficina “No batuque do Tambor”, realizada pela Fuzarca Feminista, as músicas do grupo Mal Amadas – Poética do Desmonte e com o clipe de Luana Hansen com o hino “Mulheres Negras em Marcha”, as mulheres presentes nesta 4a ação internacional da MMM no Vale do Ribeira, encerraram o dia demonstrando a força do feminismo e da auto-organização.
A quarta ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Vale do Ribeira continua no sábado, dia 11, com oficinas temáticas e o ato público.